Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 24 de março de 2014

O Grande Herói (2013): a história real de uma missão fracassada

O diretor Peter Berg acerta ao lançar um novo olhar sobre a guerra ao terror.

Depois dos ataques de 11 de Setembro de 2001, os Estados Unidos deram início à “Guerra ao terror”, com intervenções militares em diversos países conhecidos por suas ligações com organizações terroristas. Entre eles, o maior alvo desde o início da ofensiva foi o Afeganistão, que abrigava células de treinamento da Al Qaeda e onde foi morto seu chefe, Osama Bin Laden.

“O Grande Herói”, escrito e dirigido por Peter Berg a partir de livro de Marcus Luttrell e Patrick Robinson, conta a história real de quatro fuzileiros: Dietz (Emile Hirsch), Mickey (Taylor Kitsch), Marcus (Mark Wahlberg) e Axe (Ben Foster), escolhidos para eliminar o terrorista islâmico Shah, que está escondido em uma vila no meio das montanhas afegãs. Porém, depois de serem descobertos em seu esconderijo, os marines passam a ser caçados por soldados talibãs.

Desde o início, o filme é hábil em retratar o dia a dia dos fuzileiros, com imagens reais de treinamentos, além das relações de amizade, dentro de uma cadeia de respeito e hierarquia. Ainda assim, há espaço para brincadeiras, apostas e inusitadas sessões de dança e música. Tal apresentação é fundamental para criar empatia com os personagens, além de explicar sua dedicação inquebrável em cumprir sua missão.

Depois que a missão tem início, o clima do filme muda completamente. As brincadeiras e a camaradagem dão lugar a uma atmosfera mútua de tensão e disciplina. O rigor com que tudo é avaliado, medido e calculado é mostrado com perfeição. Igualmente interessantes são os códigos para comunicação interna, como os nomes dos pontos de comunicação, batizados com marcas de cerveja.

Além de obter sucesso nas sequências de tensão, como nos momentos envolvendo uma família de pastores na montanha, o diretor tem resultados ainda melhores nas cenas de ação. Entre elas, os seguidos tiroteios nas montanhas, as tentativas de apoio aéreo e a invasão a uma vila no terceiro ato são orquestradas e coreografadas com precisão impressionante.

O elenco é digno dos mesmos elogios. Taylor Kitsch, que finalmente consegue atuar em um longa de ótima qualidade,transmite a sobriedade e a liderança necessárias à sua posição dentro da missão. Ben Foster tem uma performance igualmente eficiente, com destaque para a cena em que o grupo decide como resolver um dilema ético.

Emile Hirsch, com uma caracterização que o deixou parecido com Jack Black, tem um desempenho impressionante como o responsável pelas comunicações. O seu desespero para não perder o controle com o desenrolar das ações é palpável. Eric Bana e Alexander Ludwig tem participações pequenas, mas igualmente eficientes, mas o maior destaque é mesmo seu protagonista. Mark Wahlberg realiza um dos melhores trabalhos de sua carreira. Toda a sua participação no terceiro ato é melhor do que 90% do resto da sua filmografia.

Em seus aspectos técnicos, “O Grande Herói” é igualmente bem realizado. O trabalho de maquiagem e figurino reforçam o realismo necessário para a credibilidade das cenas. A montagem mantém o ritmo e o senso de urgência sempre constantes, além de evitar o ar episódico com a representação bastante orgânica da passagem do tempo.

Não fosse pela (compreensível) tentativa de transformar os fuzileiros americanos em super-heróis, com a incrível capacidade de resistir a todo tipo de ferimento, além do discurso quase panfletário de que o exército americano sempre pode surgir para “salvar o dia”, Peter Berg poderia ter realizado uma verdadeira obra-prima. No entanto, temos que nos contentar “apenas” com um ótimo filme.

David Arrais
@davidarrais

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