Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Capitão Phillips (2013): Tom Hanks em sua melhor forma

Paul Greengrass comanda impressionante adaptação de uma história real.

Capitão PhillipsEm 2009, um navio cargueiro americano comandado pelo capitão Richard Phillips foi atacado por piratas somalis na costa africana. Depois de ações da Marinha e soldados da SEALS, a situação foi controlada e resolvida. Quatro anos depois, o diretor Paul Greengrass comanda a adaptação, roteirizada por Billy Ray, a partir do livro escrito por Stephan Talty e pelo próprio capitão.

O filme tem início com Richard (Tom Hanks) em um curto trajeto de carro com sua esposa Andrea (Catherin Keener) até o aeroporto. Aqui fica visível que Phillips é um homem dedicado à família, mas que vem tendo problemas por seguidas ausências, decorrentes de igual dedicação a seu trabalho. Paralelamente, é mostrado o recrutamento dos piratas somalis Muse (Barkhad Abdi), Bilal (Barkhad Abdirahman), Najee (Faysal Ahmed) e Elmi (Mahat M. Ali),  na costa do Senegal, até seu embarque nas lanchas e navio de apoio.

Quando chega ao navio, Phillips deixa claro que não é um homem de muita conversa, trocando poucas palavras, nada além do essencial, com seus comandados. Depois de uma inspeção minuciosa e algumas operações padrão, tem início o trajeto do Maersk Alabama do porto de Omã até seu destino.

Além de toda a linguagem com vocabulário náutico que permeia o longa, os diálogos são intensos e repletos de bons momentos. Em certa hora, um dos marinheiros fala “Tudo que eu quero hoje são duas cervejas e um balde cheio de pecados”. Os piratas também têm boas participações, como “30 mil dólares? Eu tenho cara de mendigo?” ou “Ninguém aqui é Al Qaeda”. Infelizmente há alguns tropeços, como quando, com uma arma apontada para seu rosto, Phillips fala “Vocês não são pescadores!”.

O momento do ataque ao cargueiro é construído, sem pressa, de forma exemplar, desde a escolha do alvo até as manobras evasivas do navio e suas medidas de segurança. A tensão aumenta paulatinamente a cada tentativa frustrada de contato com as instituições responsáveis pela segurança nos mares ou de ludibriar os bandidos.

O diretor Paul Greengrass direciona seus esforços para o realismo de cada cena. A estrutura do navio, desde a casa de máquinas até a sala de comando, passando pelo convés e refeitório, é recriada com perfeição. O interior do barco salva-vidas e das centrais de comando dos navios de resgate estão no mesmo nível.

O trabalho da equipe técnica é de uma competência ímpar. A montagem mantém o ritmo de acordo com a narrativa. O filme é acelerado quando precisa e lento quando precisa enaltecer a tensão. Os sons diegéticos (aqueles originados daquilo que vemos em tela) estão presentes até nos mínimos detalhes. A trilha sonora é um grande acerto de Henry Jackman, sempre reforçando o clima da projeção.

Assim como Greengrass fez em “Vôo United 93”, o fato de não utilizar rostos conhecidos (além de Hanks, claro) potencializa a trama. E o diretor consegue extrair performances convincentes do elenco. Faysal Ahmed reflete bem o temperamento explosivo de Najee. Barkhad Abdirahman tem a ingenuidade juvenil necessária para interpretar Bilal, ao passo que Mahat M. Ali convence como o piloto da equipe. Barkhad Abdi mostra talento como o chefe dos bandidos. Sua presença se torna ameaçadora, obviamente não por seu porte físico esquálido, mas pela frieza e segurança com que comanda as ações. Não será surpresa sua presença entre os indicados ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante no próximo ano. Max Martini também tem boa participação como o chefe da equipe dos SEALS.

Entretanto, o grande destaque é sem dúvida Tom Hanks. Ele é tão convincente que consegue se “camuflar” entre atores menos famosos sem chamar atenção. Nos dois primeiros atos ele aparece seguro, porém em uma atuação contida. No entanto, no terceiro ato, quando precisa retratar a desconstrução física e principalmente psicológica que atravessou, o ator transborda talento. Em determinado momento, ele é capaz de levar o espectador às lágrimas sem pronunciar uma palavra sequer.

Com “Capitão Phillips”, Paul Greengrass consegue realizar mais um excelente trabalho em sua competente filmografia, enquanto Tom Hanks entrega uma performance poderosa, talvez a melhor desde “Náufrago”.

David Arrais
@davidarrais

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