Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 17 de setembro de 2013

Aviões (2013): o mundo de Carros, de um ponto de vista aéreo e sem graça

Empacada no lugar comum, a animação só justifica sua existência no plano mercadológico, apresentando-se como um insípido spin off desprovido de identidade, graça e até mesmo de Pixar.

avioes_9Qualquer estúdio que lance um filme comercialmente nos cinemas quer ver esse produto (sim, arte também é comercializada) dar lucros, seja de modo direto – com a bilheteria – ou indireto, por meio de itens relacionados à produção. E para entender o motivo de “Aviões” ter ganho um lançamento em tela grande por parte da Disney, basta ir em uma loja de brinquedos e ver como os produtos baseados em “Carros”, com o perdão do trocadilho, simplesmente voam das prateleiras.

Apesar de não ter sido produzido pela Pixar, e sim pela Disney Animation Studios, este longa se anuncia, desde o primeiro momento, como algo saído “Do Mundo de ‘Carros’”, aproveitando não só o público da série original, como também os designs e até mesmo o plot central do primeiro filme. De todo modo, a fita serve como um excelente estudo de caso sobre o que diferencia (ou ao menos diferenciava) o estúdio da luminária daquele do ratinho.

Tanto “Aviões” quanto “Carros” possuem roteiros baseados naquilo conhecido como “história da Cinderela”, algo que a própria película admite em dado ponto. É assim que se chamam as histórias sobre personagens desacreditados que, contra todas as chances, conquistam aquilo que anseiam, seja um príncipe, um concurso de dança ou um torneio esportivo. Esse último objetivo, aliás, é tão comum nos cinemas que se tornou praticamente um gênero – com vários exemplares produzidos pela própria Disney.

Em “Carros”, o cineasta John Lasseter e a Pixar subverteram esse conceito. Ali, o protagonista foi a “Cinderela”, mas isso antes de a história principal começar. Quando o conhecemos, ele já está longe de ser um azarão e são outras dificuldades que ele tem de superar para alcançar sua meta, tornando sua jornada familiar e, ao mesmo tempo, diferente, dando alma e identidade para sua aventura.

Enquanto isso, em “Aviões”, o mesmo Lasseter, agora longe da direção e acompanhado de outros realizadores, entrega uma animação presa no lugar comum, genérica, sem nada que a torne distinta ou única, exatamente o tipo de coisa que levou as continuações lançadas direto para vídeo dos grandes clássicos da Disney a terem uma reputação tão ruim.

Na trama, conhecemos Dusty, um avião pulverizador que sonha em sair da fazenda onde trabalha para se tornar um avião de corrida. Quando ele consegue se qualificar para um perigoso rally aéreo, ele tem de superar o preconceito de suas origens humildes para mostrar sua verdadeira habilidade.

Se “Aviões” tivesse personagens carismáticos e cativantes, o plot batido seria deixado de lado. Mas todas as figuras que surgem em cena ou são estereótipos cansados ou mesmo personagens reciclados – e não deixa de ser irônico que o insípido Dusty, em dado momento, diga que acredita em reciclagem.

O problemático script apresenta ao herói toda uma gama de coadjuvantes para, logo depois, ignorá-los e apresentar outros bone…, quer dizer, personagens, que são desenvolvidos de maneira rasa, jamais ganhando a dimensão de Mater ou Doc, isso só para citar figuras dentro do mesmo universo.

O “romance” entre Dusty e Ishani (personagem étnica criada para aproveitar o mercado indiano) jamais passa de uma versão sem graça daquele visto, por exemplo, em “Hércules”. Já o relacionamento entre o avião mexicano El Chupacabras e a aeronave brasileira Carolina (dublada em tom monótono pela cantora Ivete Sangalo, escalada por motivos mercadológicos) está lá apenas para ressaltar chavões latinos, tanto é que Carolina não existe na versão estadunidense da película.

Nem mesmo o visual atrai, com o diretor Klay Hall (de “Tinker Bell e o Tesouro Perdido”) e seus artistas limitando-se aqui a reutilizarem todos os conceitos anteriormente vistos em “Carros” e em sua continuação, com poucas novidades. Mesmo as sequências aéreas, que poderiam aproveitar o uso do 3D para dar maior profundidade às cenas de voo, não apresentam nada que encha os olhos da audiência.

Os números de bilheteria mostram que “Aviões” foi um sucesso moderado nos cinemas do mundo, mas esses valores, somados com os que as lojas de brinquedos, roupas e artigos infantis entregarão, certamente convalidam a existência desta produção, o que torna a Pixar, mesmo que indiretamente, menos mágica e mais próxima do ordinário.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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