Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 18 de abril de 2013

O Carteiro (2010): experiência embaraçosa na filmografia brasileira

Reginaldo Faria volta à direção após enferrujados 26 anos em uma das experiências mais constrangedoras do cinema nacional.

O CarteiroReginaldo Faria possui um dos rostos mais carimbados da televisão brasileira. Entre novelas, séries e filmes, o ator retoma, depois de 26 anos, uma de suas facetas perdidas na década de 80: a de cineasta. É difícil acreditar que um artista com tamanha experiência cinematográfica, que dirigiu sete longas entre o final da década de 60 e o começo da década de 80, tenha realizado um filme tão pueril temática e esteticamente.

Roteirizado pelo próprio cineasta, o longa é centrado em Vitor (Candé Faria), um jovem funcionário dos correios de uma pequena cidade serrana do Rio Grande do Sul. Com alma de poeta e espírito de porco (paradoxo mal construído que acompanha a personalidade do protagonista até o final da projeção), o jovem costuma violar as correspondências locais, interferir e pregar peças nas vidas dos seus conterrâneos.

Quando a adorável Marli (Ana Carolina Machado) se muda para a cidade, Vitor se vê compelido a investigar sua intimidade por meio das cartas enviadas ao seu namorado e cai de amores pela moça.  Ao lado de seu companheiro usual Jonas (Felipe de Paula), o jovem passa a falsificar várias cartas que mudam o destino de muitas pessoas, inclusive o seu. O roteiro de Reginaldo Faria tenta reanimar a brasa do amor romântico, das causas impossíveis e ao invés disso, o que consegue é conquistar a total antipatia do público em relação aos seus personagens.

Quando nomeio o filme de pueril, me refiro, entre outras coisas, à direção extremamente infantilizada e despreparada. A fotografia de Roberto Henkin, erroneamente premiada na edição de 2011 do Festival de Gramad, se revela artificial e limitada. Entre os maiores deméritos da direção de fotografia está a imperdoável falha em emular a nostalgia de uma época passada. A imagem cristalina do cinema digital é implacável e não perdoa nem oculta os detalhes. O uso excessivo e despropositado de close-ups nos rostos dos atores revela uma tremenda falta de imaginação e criatividade (além de preguiça) na construção dos quadros propostos por Henkin e Faria. O design de produção parece se contentar com a presença de carros antigos na tela como atestado histórico, negligenciando o figurino (que parece ter sido comprado ontem em uma dessas lojas de departamentos contemporâneas), a arquitetura e os objetos que integram o cenário (em certa altura da projeção, percebemos claramente um orelhão moderno no fundo do quadro).

A linguagem televisiva invade “O Carteiro” a todo o momento. Seja na montagem picotada e sem ritmo que alude à sitcom ou na onipresença da trilha sonora que presta serviços contrários à eficiência. Não existem hiatos na utilização das músicas, que aparecem e reaparecem sem justificativa aparente ou papel dramático, se tornando ferramentas obsoletas e irritantes. E se os aspectos técnicos do longa decepcionam, o que falar das suas atuações? Candé Faria (filho de Reginaldo) não tem 100% de culpa por sua abordagem over em inúmeros momentos da narrativa, já que a dramática trilha sonora, os closes abundantes e o péssimo texto  também se prestam a esse serviço. Entretanto, não há como negar a incompetência do ator e o alto nível de afetação imposta em sua performance, que soa invariavelmente artificial.

O mesmo pode ser dito de todos os outros membros do elenco de “O Carteiro”, preguiçosamente embutidos no esquemão arquétipo de funções dramáticas (o bobo, a virginal, a puta, o sábio, o policial, etc.), além do próprio diretor, que faz uma ponta como professor na escola de Vitor e Jonas. Reginaldo Faria não explora o mínimo de eficiência no trabalho dos atores, o que é de certa forma assustador, pois a atuação é costumeiramente a principal preocupação de diretores/atores.

Com um desfecho tão imbecil quanto seu desenvolvimento, “O Carteiro” não se justifica por mérito algum, pelo contrário: o filme falha ao tentar ressuscitar o amor romântico, ao emular a nostalgia provinciana, ao provocar o riso e, antes de tudo, a contar uma boa história. Talvez Reginaldo Faria tenha ficado fora do jogo tempo o suficiente para enferrujar… Ou talvez ele nunca tivesse sido mesmo um bom jogador.

Pedro Azevedo
@_pedroazevedo

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