Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 10 de março de 2013

Amor é Tudo o que Você Precisa (2012): atração entre os opostos

Comédia romântica dinamarquesa preenche história simples com personagens profundos e um visual exuberante.

love-is-all-you-need-official-poster-bannner-promo-nacional-28fevereiro2013Na pele do amargurado Philip, Pierce Brosnan explica a Ida, personagem de Trine Dyrholm, como a vida dos parasitas de planta machos não têm sentido, uma vez que morrem cedo por serem anatomicamente incapazes de se alimentar, enquanto as fêmeas podem se reproduzir assexuadamente, sendo estas as verdadeiras ameaças que contaminam uma árvore inteira. Sem muito esforço, podemos enxergar nesta fala uma metáfora sobre a essência de “Amor é Tudo o que Você Precisa”.

Assim como o parasita, a vida de Philip perde o sentido após a trágica morte de sua esposa. Desde então, o empresário do ramo alimentício não se permite viver outra história de amor, exibindo uma expressão carrancuda que transmite mais tristeza do que raiva. As pessoas ao seu redor, tanto no trabalho quanto na família, reagem à sua presença com carinho em vez de repulsa. É como se seu estado de espírito exalasse um pedido de ajuda, uma vontade de ser feliz, mesmo sem Philip ter consciência disto.

Do lado oposto, há Ida, uma mulher casada e com filhos já crescidos, que, apesar do câncer de mama recém-tratado e da traição de Leif (Kim Bodnia), seu marido, ainda exibe uma enorme simpatia com seu sorriso largo e olhos arregalados, transmitindo um leve tom de ingenuidade. Ao contrário de Philip, Ida não se deixa abater facilmente, agindo como a parasita fêmea que domina aos poucos a frieza daquele quando ambos se conhecem.

Anders Thomas Jensen gosta de brincar com significados – simples, mas eficientes – em seu roteiro, e não é a toa que o primeiro encontro do casal é em uma batida de carro, representando o choque de personalidades. Depois de algumas desavenças naturais neste tipo de situação, eles descobrem que estão indo para o mesmo lugar (Itália) e para o mesmo casamento. Para a surpresa de ambos, Philip é o pai do noivo, Patrick (Sebastian Jessen), e Ida é a mãe da noiva, Astrid (Molly Blixt Egelind). Os dois se conheceriam eventualmente de qualquer maneira, mas o elemento surpresa inserido por Jensen é essencial para que o romance se introduza de maneira mais cômica e atrativa para o público.

As diferenças entre Philip e Ida são ilustradas pelo figurino de Signe Sejlund, cujas cores evidenciam o contraste entre as personalidades de cada um. Enquanto ele sempre veste tons de azul formal e chapado, ela tem um estilo que beira o kitsch com seu vestido estampado privilegiando o rosa. Este trabalho com as cores enquanto extensão dos sentimentos dos protagonistas também pode ser observado no design de produção de Peter Grant e na direção de arte de Tamara Marini, que utilizam cenários e objetos como instrumentos de uma narrativa psicológica por meio das cores – o carro amarelo de Ida se destacando entre os demais no estacionamento e o escritório “preto e branco” de Philip são exemplos disso.

A fotografia de Morten Søborg exalta estas cores com um nível de saturação que apenas beneficia o visual do filme, nunca caindo no artificialismo. Seus planos abertos de paisagens parecem pinturas de tão bem compostos e vivos – resultado que certamente envolveu um notável trabalho de pós-produção –, embora exerçam apenas uma função burocrática durante a narrativa, com Pernille Bech Christensen e Morten Egholm abusando deles na montagem.

Brosnan e Dyrholm constroem uma ótima química entre seus personagens, sustentando boa parte do longa com suas interações. Quem mais se destaca é a atriz, cativando o público facilmente com sua atuação carismática e bastante expressiva. A diretora Susanne Bier conduz o romance entre os dois de forma natural, deixando que a complexidade dos personagens se desenvolva nas entrelinhas, sem cair em uma dramaticidade que desvirtuaria a proposta do longa.

Neste sentido, Jensen também se preocupa em desafogar a narrativa em seu roteiro dando profundidade aos coadjuvantes. Isto é interessante enquanto não se perde o foco dos protagonistas, o que quase acontece durante o terceiro ato. Este se resolve entre pequenos atropelos causados por decisões narrativas bem intencionadas e até interessantes para a história como um todo, mas que quase põem a perder a resolução do arco principal.

As ótimas atuações, o visual deslumbrante e o roteiro que dá profundidade à simplicidade da trama prendem o interesse do público. “Amor é Tudo o que Você Precisa” é uma comédia romântica madura e bem humorada sobre a esperança que ainda resiste quando tudo na vida parece estar errado.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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