Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 10 de março de 2013

No (2012): Adeus, Pinochet

Último capítulo da trilogia de Pablo Larraín sobre Pinochet remonta os últimos anos de regime militar no Chile.

NofilmeLíder do golpe militar que depôs o presidente Salvador Allende, Augusto Pinochet perpetuou sua hegemonia no Chile por 17 anos; e é durante o período da franca decadência de seu regime totalitário que Pablo Larraín ambienta “No”, último filme da sua trilogia sobre o ditador.

Ao final da década de 80, o mundo voltou os olhos ao Chile. O regime anacrônico de Pinochet foi posto em cheque por representantes de todas as partes do globo. Para legitimar seu mandato, o presidente teria que realizar um plebiscito que decidisse seu futuro político no país; ou permaneceria no poder por mais oito anos ou seria deposto. Diante desse cenário, surge uma inédita reabertura política à oposição na televisão chilena, seria criada a comissão do sim e a do não.

Entre os que adormeciam para a condição econômica das classes contrárias, o Chile vivia uma fase de estabilidade monetária, à sombra de um regime totalitário. Com exceção da difusa e inexpressiva oposição, fica evidente o retrato conformista das massas chilena, ora representadas pela figura de um publicitário, ora pela figura melancólica de uma doméstica. Eis então que René Saavedra emerge na tela – vivido com eficiente sutiliza por Gael Garcia Bernal – com um cínico discurso neoliberal acerca da condição mercadológica do país: “O verão a seguir está marcado dentro do atual contexto social, nós cremos que o país está preparado para uma comunicação de tal natureza, não podemos negar que a cidadania aumentou suas exigências em torno da verdade. Sejamos honestos, hoje, o Chile pensa em seu futuro”, diz o publicitário ao anunciar a propaganda de um refrigerante. De uma só vez, Larraín mata a cobra e mostra o pau. O que vemos a seguir é a anunciação da liberdade chilena por meio da lógica divertida (e por vezes brega) da publicidade: sereis free como a marca da gasosa via a persuasão midiática.

Saavedra é apresentado como a personificação de uma moral cindida entre lógica mercadológica e política igualitária. Aí reside uma das grandes virtudes de “No”: embora levante bandeira e não tenha a melhor vergonha de tomar partido, Larraín é esperto o suficiente para posicionar no núcleo de sua narrativa um personagem complexo e ambíguo cujas motivações são sempre incertas (evitando assim o temido panfletarismo). De toda forma, René Saavedra é dissuadido a liderar a campanha publicitária anti Pinochet do não.

De tempos em tempos, nas páginas da história, há situações cataclísmicas em que os fins justificam os meios. O método de convencimento popular da campanha liderada por Saavedra é simples e puramente formulaico: vender o não como se vende um produto, ou seja, por meio de maneirismos e manobras do sistema publicitário. Apresentando uma enxurrada de cenas repletas de cidadãos felizes e sorridentes (no melhor estilo videoclipe), o publicitário impõe um modelo de vida extremamente destoante da realidade chilena e opta por estratégia em ocultar o passado sangrento da ditadura.

Parafraseando Saavedra novamente, “O Chile pensa em seu futuro”. Lembre-se do passado com austeridade, mova o presente e finja se importar com o futuro é, talvez, a mensagem gravada no subconsciente dos eleitores espectadores; no entanto, às vezes (e só às vezes), os fins justificam os meios. Uma campanha repleta de – óbvias – ferramentas de manipulação é perdoável quando tem como objetivo pôr fim em um regime ditatorial.

Para reviver o espírito da época, Pablo Larraín opta por emular a estética do VHS, conferindo ao filme uma atmosfera tão artificial quanto à das peças publicitárias apresentadas durante sua projeção. Paradoxalmente, a urgência em emular uma realidade inexistente é acompanhada pela confusão entre o que é imagem de arquivo e o que é material autoral.

“Temos um sistema em que qualquer um pode ser rico, veja, não todos, qualquer um. Não se pode perder quando todos apostam em ser esse qualquer”, diz o chefe da campanha pró Pinochet em certa altura de “No”. Em uma época marcada pela discussão política enclausurada nas redes sociais, temos aqui o exemplar primoroso de um filme genuinamente político. A era de Pinochet acabou com a vitória do “não”, mas a luta de classes continua. Bom, pelo menos enquanto houver quem aposte em ser esse qualquer. Triste sina Marxista.

Pedro Azevedo
@_pedroazevedo

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