Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 07 de novembro de 2012

A Arte de Amar (2011): a França discute, mais uma vez, o amor

De forma desigual, longa retrata as diversas facetas dos relacionamentos amorosos.

Talvez nenhum outro país tenha retratado tanto o amor como a França, berço do cinema, dos sensuais Jane Birkin e Serge Gainsbourg e detentora dos direitos autorais do beijo de língua. Neste mais recente projeto do país, “A Arte de Amar” esmiúça os relacionamentos que envolvem amor, sexo e paixão, em suas mais diversas formas.

Constituído por pequenos capítulos que vão contando, aos poucos, a história de cada um dos curtas que compõem as dores e delícias dos relacionamentos humanos, o cineasta Emmanuel Mouret (aqui também roteirista e ator) entrega ao espectador personagens envoltos em suas aventuras do coração e da mente (sempre em conflito desde que o mundo é mundo).

Com um epílogo que faz uma analogia entre os sentimentos e a música (a melodia que gera canções apaixonadas e apaixonantes em uma nota que ora inspira e emociona, ora sai do compasso), somos apresentados a pessoas como nós que buscam – ou fogem – do tal sentimento de quatro letrinhas. Diante de belos atores e uma fotografia feita para encantar e encher os olhos dos amantes do amor e da França, “A Arte de Amar” desfila, ao som da música clássica (afinal, nada é mais clássico que o amor, diga-se de passagem) as desventuras da vida a dois.

Intercalados por pensamentos que casam com os episódios, somos levados a refletir diante de ditos como “o desejo é inconstante e dança como uma erva ao vento”, “é difícil nos darmos como gostaríamos” e “sem perigo, o prazer é menos intenso”. Isso sem falar da “paciência”, gritante e silenciosa ao mesmo tempo entre as cenas. O escritor português José Saramago, por exemplo, demorou 60 anos para encontrar Pilar, a mulher de sua vida.  Amor é loteria, realmente.

Temos Isabelle (Julie Depardieu, filha do astro Gérard Depardieu), a encalhada do grupo que fica diante do dilema de aceitar ou não os serviços sexuais consentidos do namorado da melhor amiga. Mais adiante, ela fará parte de um triângulo amoroso inusitado – e original – em meio a Amélie (Judith Godrèche) e Boris (Laurent Stocker), em um divertido quiproquó. Esta, em um relacionamento em frangalhos com Ludovic (Louis-Do de Lencquesaing), decide praticar o bem a qualquer custo; qualquer semelhança com a icônica Amélie Poulain pode não ser uma mera coincidência.

Já o meia-idade Achille (François Cluzet, do ótimo “Intocáveis”) tenta a todo custo ocupar o coração – sem sucesso – com diversas mulheres, até que o destino bate à sua porta na forma da descomunalmente enigmática vizinha (Frédérique Bel), onde se fala mais de amor do que, propriamente, o coloca em prática. Mais um motivo para reforçar o conceito de que é impossível entender as mulheres e os mistérios que as rondam.

Assim, “A Arte de Amar” é um típico filme montanha-russa, que sobe e desce com relação a qualidade, ritmo e roteiro, apoiando-se em um formato teatral. Além disso, certas situações soam um tanto artificiais, encaixando-se de forma muito improvável, ou seja, um prato cheio para os que creem em destino e incômodo para os mais céticos. Entretanto, o filme ainda recupera o fôlego diante de suas histórias díspares, mas que retratam com sinceridade e poesia a difícil tarefa de (não) amar e (não) ser amado.

A primeira delas envolve o casal veterano Emanuelle (Ariane Ascaride) e Paul (Philippe Magnan) que, após longos anos juntos, ganham de presente uma pedra no sapato com a revelação que Emanuelle vai deixá-lo por sentir-se incontrolavelmente atraída por outros inúmeros homens. Para não traí-lo, opta por evitar sofrimentos futuros. Porém, no mais profundo sentido de “entre mortos e feridos, salvaram-se todos”, Paul abdica de seu ciúmes e permite que a esposa dê vazão aos próprios desejos, arcando com as consequências. Surge aí a complexa premissa do amor livre, na qual o amante coloca a felicidade do ser amado acima da sua. O resultado da liberdade presenteada tem um retorno que, embora inesperado, reflete o mais profundo inconsciente da psique humana.

Já na segunda trama, os jovens William (Gaspard Ulliel) e Vanessa (Élodie Navarre), apaixonados desde criança, decidiram travar um acordo de nunca mentir um ao outro e manter a liberdade mútua intacta. Tal pacto cai por terra quando Vanessa abre o jogo sobre Louis (o próprio diretor e roteirista Emmanuel Mouret), um colega de trabalho que a deseja e está prestes a mudar-se para o Brasil. Ambos se desestabilizam em se tratando da liberdade (tanto por ela querer ir para a cama com Louis, como por William tentado a permitir-se uma noite de sexo com outra mulher). Afinal, o que doeria mais: imaginar o objeto de seu amor dividindo a cama com outro(a) ou privá-lo(a) de suas próprias vontades? 2 x 0 para o amor livre.

Com uma mão pesada em muitos momento, principalmente pelos cortes secos que impedem uma melhor empatia com os personagens, “A Arte de Amar” também ganha pontos por retratar situações, sensações e diálogos capazes de nos expor, seja nos silêncios cortantes ou na transparência e sinceridade de verdades, mentiras e meias-verdades. Tudo isso, claro, na complexidade da natureza humana que coloca os personagens, com o perdão do trocadilho, em maus lençóis.

E diante de minutos que não passam, o desconforto e a perda de algo – ou ganho de outra coisa, não necessariamente boa – melancolia e humor sutil chegamos à conclusão que, se o amor é cego, o desejo pode ser cego, surdo, mudo e, muitas vezes, completamente instável.

Léo Freitas
@LeoGFreitas

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