Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O Despertar: thriller bem realizado é prejudicado pelo desfecho duvidoso

Filme tem história intrigante, mas que decepciona em seu ato final.

O trailer de “O Despertar” compila praticamente todas os momentos de susto que o longa traz durante os mais de 100 minutos de projeção. Ao vendê-lo como terror, o público pode se surpreender ao constatar que ele é um suspense bem realizado e que quebra alguns paradigmas do gênero, se mostrando muito mais dramático do que assustador. Tudo vai bem até a chegada de um terceiro ato que diverge completamente da proposta inicial.

A trama é ambientada em 1921, na Inglaterra, após as perdas e os traumas deixados pela I Guerra Mundial. Florence Cathcart (Rebecca Hall) é especialista em fenômenos sobrenaturais. Na realidade, ela desmascara tais ocorrências. Tida como uma mulher inteligente em meio de tantos homens, ela incomoda a sociedade por sua sagacidade e, ao mesmo tempo, tira a esperança das pessoas ao comprovar que o contato com o além não existe. Afinal, todos que já perderam um ente querido têm a esperança de um dia revê-lo.

Florence tem seus motivos para ainda assim continuar trabalhando no ramo sobrenatural, que são divulgados no decorrer a película. Porém, o seu ceticismo é testado quando ela recebe um caso curioso em uma escola, onde um garotinho morreu após ver o espírito de outro jovem. Ela viaja para a mansão e lá conhece Robert (Dominic West), Maud (Imelda Staunton) e Tom (Isaac Hempstead Wright), que a ajudam a solucionar o caso. Armada com equipamentos que supostamente identificam movimentos sobrenaturais, Florence fica atormentada sem saber distinguir o que é real ou não.

O roteiro de Stephen Volk e Nick Murphy (que ocupa a direção) é grandioso. Além de ambientar em um contexto político e fazer um recorte histórico da Inglaterra pós-guerra, os roteiristas transformam um clichê do gênero (a mulher que não acredita em espíritos) em um curioso thriller. O dois primeiros atos são impecáveis. A direção de Nick Murphy contempla o roteiro muito mais sugerindo as situações de tensão do que apelando para o impacto visual ou ao medo sonoro. Com experiência em séries e filmes para televisão, o diretor é completamente correto em seu cargo, por elevar o nível da produção e entregar uma história peculiar.

A tensão psicológica é o grande trunfo, muito bem trabalhado pela dupla de realizadores. É preciso que o público sempre veja tudo que está em tela, pois essa atenção é fundamental para a narrativa. Aliás, “O Despertar” quebra totalmente aquele mito que eventos sobrenaturais só acontecem à noite ou no escuro. Outro momento de inspiração se dá quando Florence descobre uma maquete da escola. A montagem, assim como em toda a obra, colabora para que a plateia fique vidrada nos fatos. O envolvimento é tanto que, infelizmente, no início do terceiro ato é difícil não estranhar o rumo que a trama segue até a conclusão. Após uma cena completamente sem sentido e que nada acrescenta (quando Florence é abordada pelo jardineiro fora da escola), Robert pronuncia a pior das frases do filme, que faz com que Florence tenha um insight e reveja sua passagem pelo local.

A partir daí, o desfecho mais parece de um outro filme, destoando completamente do que foi visto anteriormente. Ao construir uma trama tão intrigante, parece que os roteiristas não souberam terminar ou dar ao longa o final que ele merece. Não que comprometa totalmente o resultado, mas gera uma desagradável dúvida sobre a necessidade daquele encerramento, que de nada dá relevância ao ceticismo da protagonista e substitui por fatos do passado que pouco importam na reta final da história. O único ponto positivo é a quebra das dimensões da personagem Maud, vivida com incisão pela veterana Imelda Staunton. Fora isso, a única sensação que fica é a frustração após dois atos perfeitamente bem articulados em um final precipitado e sem imaginação.

Apesar de todas as falhas, “O Despertar” se distancia basicamente das últimas produções do gênero, muito mais preocupadas em assustar pelos ruídos do que pelas possibilidades de ações que os personagens se encontram. Belamente performado por seu elenco e com direção de arte e fotografia que reproduzem com primor a época em que se passa, o longa mostra que é possível reformular os clichês e desenvolver um bom thriller psicológico.

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Diego Benevides é editor chefe, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), é especialista em Assessoria de Comunicação, pesquisador em Audiovisual e arte educador na linha de Artes Visuais e Cinema. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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