Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de fevereiro de 2011

O Ritual

Boa direção e surpreendente desempenho de Anthony Hopkins sustentam mais um filme sobre exorcismo.

Demorou apenas quatro meses para a ideia tornar a se repetir (entenda, isso não é um pleonasmo). Depois de mudar a plataforma e optar por um falso documentário em “O Último Exorcismo”, os produtores de Hollywood retornam à temática com um filme mais tradicional e surpreendentemente mais eficiente. Padres, moças possuídas e jornalista voltam a compor mais uma trama de exorcismo, mas se diferenciando pela dinâmica direção de Mikael Hafström e por trazer a melhor performance de Anthony Hopkins em anos.

“O Ritual” tem como personagem principal Michael Kovak (Colin O’Donoghue), um jovem rapaz de poucas opções profissionais na vida (ou pelo menos é assim que ele mesmo as limita). Entre continuar ajudando o pai na tradicional funerária da família, preparando com rigoroso detalhismo os corpos a serem velados, ou se tornar padre, Michael escolhe passar os seus próximos quatro anos no seminário.  E assim acontece. Ao fim de sua jornada religiosa, porém, ele percebe que essa, definitivamente, não é a sua vocação.

Extremamente cético, o rapaz recebe uma última orientação antes de deixar a Igreja e seguir seu próprio caminho: passar um período em Roma estudando rituais de exorcismo. O Vaticano acaba de implantar um programa destinado a ensinar ao clero esse tão comentado e polêmico ritual e caberá a Michael ser um dos novos alunos do Padre Xavier (Ciarán Hinds). E é através dele que Michael passa a conhecer um dos mais respeitados exorcistas do mundo, Padre Lucas (Anthony Hopkins). A partir de então, a sua falta de fé é posta à prova ao presenciar os mais assustadores fatos sobrenaturais.

Entenda, “O Ritual” não é um filme de terror à procura desesperadamente de situações que provoquem sustos no espectador. Está mais para uma fita psicológica que coloca as descrenças de seu protagonista no centro das atenções. O roteiro de Michael Petroni (“As Crônicas de Nárnia: A Viagem do Peregrino da Alvorada”) busca tensão na mente de seu personagem, incapaz de acreditar em qualquer manifestação demoníaca. A luta aqui não é entre Kovak e o diabo (ou com a pessoa possuída), mas sim de Kovak consigo mesmo, com as dúvidas surgidas depois de presenciar eventos que jamais pensou haver possibilidades de acontecerem.

Se os dois primeiros atos impõem a proposta em prática (apesar do ceticismo exagerado do rapaz, alguém que nunca deveria pensar em se tornar padre), o desfecho destrói completamente a ousadia desta história. Incomoda bastante quando os devaneios, sonhos e lembranças do protagonista são substituídos por uma onda de possessão que parece se disseminar como uma verdadeira epidemia, dando origem a uma conclusão comercial que parece ter sido imposta por um controlador estúdio.

Adaptação do livro “The Rite”, de Matt Baglio, que por sua vez é baseado em fatos reais, a produção fará os mais questionadores argumentarem mais uma vez a dita realidade da trama, principalmente por ser advinda de Hollywood, indústria conhecida por adaptações mais fantasiosas do que o normal. Petroni, enfim, mergulha sua história em um universo mais palpável e, por isso mesmo, menos atraente do que já havia se apresentado. Apesar de uma declaração do personagem de Hopkins, tudo, infelizmente, pode acontecer em uma casa localizada num beco sem saída de Roma.

Mas existe um lado bom em meios às falhas finais do roteirista: ele proporciona a melhor atuação de Anthony Hopkins desde “O Silêncio dos Inocentes”. A inverossimilhança dá lugar ao brilhantismo de um ator que é imbatível quando o assunto são papéis com altos graus de insanidade. A competente maquiagem é apenas um complemento para que Hopkins adentre em Padre Lucas e o transforme em uma figura que supera todos os outros personagens semelhantes de filmes do gênero já interpretados por grandes atores.

Por outro lado, Colin O’Donoghue  não consegue transpor toda a complexidade de Michael Kovak, se transformando no ponto fraco de um elenco maior do que o filme em si. Alice Braga mais uma vez convence em outro trabalho internacional. Ela aqui faz às vezes de jornalista responsável por escrever um artigo sobre a iniciativa do Vaticano e que acaba encontrando em Kovak um amigo e fonte em potencial. Ciarán Hinds e Rutger Hauer também entregam bons desempenhos, mesmo com tempo limitado de tela.

Outro grande destaque é o próprio diretor. O sueco Mikael Hafström (“Fora de Rumo”) faz um filme envolvente, tenso, que prende os nossos olhos para as belas e obscuras imagens exibidas em parceria de valor com o diretor de fotografia Ben Davis (“Kick Ass”). Transitando bem do surreal ao sobrenatural, Hafström é capaz até de amenizar as péssimas escolhas finais do roteirista, colocando o filme acima da média habitual do tratamento da temática nos cinemas, mesmo quando as notas são, em maioria, bem baixas.

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Darlano Dídimo é crítico cinema do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, não a substituindo por nenhum outro entretenimento, por maior que ele possa ser.

Darlano Didimo
@rapadura

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