Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 12 de fevereiro de 2011

Bravura Indômita

A retribuição sempre vem acompanhada de um preço a ser pago. Contando uma história direta e objetiva, este novo longa dos irmãos Coen é um western digno dos mestres do gênero de outrora.

Em uma entrevista, o cineasta Robert Zemeckis disse que todo cineasta sonha em fazer um western. Lidar com campo aberto, filmar em paisagens simples, em contato direto com a natureza e trabalhar com o ser humano em terras de fronteiras, com códigos de honra próprios… Isso deve ter um pouco a ver com o fato de que os cineastas atuais cresceram com os filmes de Sergio Leone.

Pois bem, esta nova versão de “Bravura Indômita” faria Leone dar um belo sorriso. Não vou comparar este longa dos irmãos Coen com aquela realizada por Henry Hathaway e estrelada por John Wayne ou com o livro de Charles Portis que inspirou as duas películas. O que se debate aqui são os méritos deste filme. E são muitos.

Em meados do século XIX, a jovem Mattie Ross (Hailee Steinfeld) tem seu pai assassinado pelo bandido Tom Chaney (Josh Brolin). Buscando justiça, ela contrata o beberrão policial federal Cogburn (Jeff Bridges) para capturar Chaney, que fugiu para o território indígena. A eles se junta o falastrão LaBoeuf (Matt Damon), um orgulhoso Ranger do Texas que procura Chaney pelo assassinato de um senador.

Ao contrário do que se poderia pensar por se tratar de uma adaptação de um material anteriormente filmado, os irmãos Coen não se sentiram acanhados em colocar suas assinaturas pessoais. A violência, inerente do gênero, está presente, mas vem acompanhada por uma boa dose de ironia e de um senso de humor negro que não deixa nada a dever a outras obras dos cineastas, sempre sem medo de desafiar o politicamente correto. A cena do enforcamento, brutal, mas bem-humorada, é um ótimo exemplo disso.

Os personagens pitorescos que permeiam os trabalhos dos realizadores também marcam presença. O “Urso” que surge em determinado ponto, por exemplo, não se sentiria deslocado em “O Grande Lebowski”. Os Coen também não dispensaram o visual clássico de um bom longa do gênero. A fotografia explora bem os espaços abertos nos quais a história se passa. No entanto, os Coen jamais deixam o longa perder de vista a sua personagem principal, Mattie Ross.

Não se deixe enganar pela indicação ao Oscar de melhor atriz coadjuvante: a garota vivida por Hailee Steinfeld é a protagonista absoluta da história. É dela o arco dramático, sua busca por justiça (ou vingança?) que move a trama e Steinfeld lida com este arco de maneira brilhante. Interessante notar que, mesmo tendo sido obrigada a madurecer cedo, Mattie ainda possui alguns traços de inocência, como sua visão “ingênua” de certo e errado e a empolgação com novas aventuras.

Longe de soar como uma daquelas “crianças grandes” que o público se acostumou a ver nas telas, Mattie é uma das mulheres mais fortes que já vi em um western, com sua intérprete fazendo jus à sua indicação ao prêmio da Academia. Incrível notar como Steinfeld jamais surge intimidada ao trabalhar com atores de maior gabarito como Jeff Bridges e Matt Damon, desenvolvendo uma maravilhosa química com eles.

Vontando a trabalhar com os Coen, Bridges aparece e convence como o decadente federal Cogburn. Dono de um passado sofrido e claramente alcoólatra, Cogburn acaba se deixando levar pela missão de Mattie não apenas pelo dinheiro, mas por enxergar algo na menina que lhe atrai, algo que apela para um senso de nobreza que surpreende até a ele mesmo, talvez tocando um sentido paternal há muito esquecido. Bridges evita transformar o personagem em uma caricatura, fazendo o público sentir em sua voz todo o sofrimento e angústia pelos quais Cogburn passou em seus anos.

Por sua vez, Matt Damon é realmente um coadjuvante neste longa. Seu LaBoeuf não tem tanta relevância para a história quanto Mattie ou Cogburn, mas Damon cria uma figura tão interessante e divertida que ansiamos pelos seus poucos momentos em cena, sendo impossível não simpatizar com o tagarela e extravagante Ranger, principalmente por seus “desentendimentos” com Cogburn, que culminam em uma hilária cena de desafio de pontaria.

Em participações menores, Barry Pepper vive o fora-da-lei Sortudo Ned, grande inimigo de Cogburn. A rivalidade entre os dois jamais fica bem explicada, mas fica claro que muita coisa já aconteceu entre aqueles dois homens, em uma relação que envolve, inclusive, um torpe respeito mútuo. Josh Brolin como Tom Chaney também aparece pouco em tela, funcionando mais como o macguffin da história. Sem dar spoilers, a interpretação de Brolin para o personagem vai surpreender muita gente.

Empolgante, dinâmico, contando com duelos de tirar o fôlego e com uma fotografia belíssima (espere até ver a última cavalgada), “Bravura Indômita” é um dos trabalhos mais emocionantes e divertidos da carreira dos irmãos Coen. Recomendado!

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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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