Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de fevereiro de 2011

Splice – A Nova Espécie

Ficção científica aborda o descontrole da ambição humana.

A ciência avança todos os anos, ainda que nem metade do que é estudado pelos especialistas no mundo seja conhecido pela população. Com a facilitação da tecnologia cada vez mais inovadora, os cientistas estudam formas de curar doenças genéticas ou ditas incuráveis, bem como têm a ambição de criar novas vidas por meio de substâncias, tratamentos e técnicas. Entretanto, o que pode ser um avanço para a humanidade também pode sair do controle. É nessa linha que a ficção científica “Splice – A Nova Espécie” se comunica com os espectadores.

O cineasta Vicenzo Natali, que dirige e contribui no roteiro deste longa-metragem, cria livremente o universo em que seus personagens pertencem. Os bioquímicos Clive (Adrien Brody) e Elsa (Sarah Polley), apesar de novos, são inteligentíssimos e bem vistos na empresa em que trabalham. Eles são os especialistas por trás do projeto que combina o DNA de várias espécies para criar um novo tipo de vida. Desse experimento, eles tiveram Ginger e Fred, dois “monstros” cujas capacidades de produzir proteínas medicinais que podem ser a maior descoberta da humanidade.

Entretanto, seus chefes decidem que o melhor a fazer é isolar o gene que produz tal proteína para ser usada no momento certo. Insatisfeitos com o impedimento de dar continuidade às pesquisas sobre as enzimas em seres humanos, Clive e Elsa decidem quebrar as regras e incorporar DNA humano nesse experimento híbrido. A princípio, Clive se sente receoso com os rumos que a gestação de um novo ser pode levar, mas Elsa o convence a testar tudo que estiver ao alcance deles. Do experimento, nasce Dren, uma criatura que mudará a vida dos protagonistas por meio de um caos científico.

Um dos aspectos mais importantes em uma ficção científica é o trato que o elenco tem com a história. Se os atores estiverem inseguros em seus personagens, é muito difícil que compactuemos com as experiências malucas que eles desenvolvem. Em “Splice”, a harmonia entre Adrien Brody e Sarah Polley, dois talentosíssimos, faz com que o mais absurdo que a trama pode levantar pareça possível dentro do universo criado para o longa. A partir disso, o espectador passa a compactuar com todos os passos que a dupla dá, mas facilmente prevê que em algum momento a criação doméstica de Dren causará danos.

O roteiro, muito bem articulado em seus três atos, foca principalmente na ambição do ser humano, no caso cientistas, em sempre querer ir além do que está ao seu alcance. Em vários momentos, Elsa questiona que, se eles não testarem se são capazes de experimentar, virá outro especialista e o fará. Mas com esse pensamento, os personagens acabam se permitindo acompanhar o ciclo de vida de uma criatura que não se sabe muita coisa a respeito. Para acompanhar os testes dos bioquímicos, o diretor se utiliza de ótimos recursos visuais, uma câmera dinâmica e dispõe de efeitos competentes, fazendo de Dren quase uma possibilidade aos olhos dos espectadores.

Entretanto, se tudo parece andar bem, o roteiro pisa na bola ao inserir, em momentos indesejados, conflitos conjugais entre os protagonistas. Em alguns diálogos, como quando Elsa deixa Clive trancado do lado de fora do laboratório, eles discursam sobre terapia de casal, e aparenta ser uma possível brincadeira do roteiro sem graça. A dispersão sexual deles também não se encaixa muito bem na trama, dando espaço somente para supormos o que acontecerá em seguida. Aqui o fator conjugal atrapalha a seriedade do enredo, causando uma fragilidade inútil em um filme que poderia ser irretocável. Caberia, por exemplo, estabelecer um outro tipo de relação entre Elsa e Clive, como amigos ou parentes. Funcionaria melhor para o público.

Apesar do escorregão sentimental, o longa se desenvolve de forma coerente e surpreende em seu último ato. O mais interessante aqui é notar que o público possui informações sobre os experimentos de Clive e Elsa e que, ainda assim, acaba esquecendo fatos que podem alterar a criação de Dren. Ser surpreendido com algo que estava ali o tempo todo, mas pouco é notável talvez seja mais interessante do que ter desfechos homéricos ou exagerados. No longa, o caos se instaura para um the end que ainda possibilita uma continuação e, ao contrário do que costuma acontecer, não pareceria forçada.

Com um time de bons atores, efeitos visuais interessantes e uma história intrigante, “Splice” é um bom filme de ficção científica, ainda que peque em algumas resoluções para os seus personagens. Adrien Brody e Sarah Polley entregam à trama toda a maturidade em suas atuações e faz com que nos conectemos também à criatura Dren e, no final, possamos questionar se, dos caminhos que podemos seguir, todos realmente precisam ser testados.

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Diego Benevides é editor geral, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação e estudioso em Cinema e Audiovisual. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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