Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de janeiro de 2011

O Turista

Diretor vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro estreia em Hollywood escalando Angelina Jolie e Johnny Depp para os papéis principais. E o resultado é um longa que fica devendo em entretenimento.

Quando a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas anuncia seu vencedor de Melhor Filme Estrangeiro, os olhos mais ambiciosos de Hollywood costumam mirar o cineasta que recebe a estatueta mais cobiçada do mundo. Projetos, então, chovem em suas mãos, e é preciso muito controle para resistir aos altos salários e grandes orçamentos oferecidos, enquanto, inevitavelmente, a qualidade pulsa e clama por talento em outros escassos trabalhos, que poderão contar com a participação dos atores mais renomados do planeta.

É preciso dizer que a maioria resiste, como o espanhol Alejandro Amenábar (“Mar Adentro”) e a alemã Caroline Link (“Lugar Nenhum na África”), preservando sua independência cinematográfica. No entanto, outros se entregam à indústria, sendo o caso de Gavin Hood o mais explícito deles. O sul-africano, depois de “Infância Roubada”, mudou-se definitivamente para os EUA e realizou dois péssimos longas: “O Suspeito” foi o primeiro, e a bomba “X-Men Origens: Wolverine” veio posteriormente.

O alemão Florian Henckel von Donnersmarck decidiu seguir o mesmo caminho comercial de Hood. Diretor do espetacular “A Vida dos Outros” (em uma das melhores escolhas da Academia nos últimos anos), ele optou por refilmar a película francesa “Anthonny Zimmer – A Caçada”, substituindo Sophie Marceau e Yvan Attal pelos astros mais populares do mundo, Angelina Jolie e Johnny Depp. No entanto, a direção insegura e o roteiro fraco de “O Turista” fazem da estreia hollywoodiana de von Donnersmarck uma enorme decepção.

A trama nos apresenta primeiramente a Elise (Jolie), uma linda e sensual mulher que é observada pela Interpol por toda a capital francesa. Companheira de um dos mais perseguidos ladrões do mundo, Alexandre Pearce, ela precisa despistar a polícia para reencontrá-lo. Para tanto, Elise participa de um plano que coloca o inofensivo professor de matemática Frank Tupelo (Depp) no lugar de Pearce, já que inúmeras cirurgias plásticas teriam modificado completamente suas feições. Sem saber de nada, Frank, então, embarca em uma caçada internacional que inclui muitos tiros, sustos e uma grande reviravolta em plena Veneza.

“Charme” parece ser a palavra de ordem na direção de Von Donnersmarck na primeira meia hora de filme. Explorando toda a beleza estonteante de Angelina Jolie, que praticamente desfila por Paris, o cineasta alemão dá início a uma trama cheia de mistérios, que prefere deixar o desenvolvimento do longa responder a todos eles, enquanto sua eficiente trilha sonora busca dar ritmo a narrativa. De forma cativante, “O Turista” conquista com seu bom primeiro ato, prometendo intensificar sua ação e explorar o talento de seus protagonistas ao máximo.

Mas tudo fica na promessa. A primeira delas fracassa completamente. Tudo porque von Donnersmarck revela-se um péssimo diretor de cenas de ação, utilizando lanchas lentas como principal meio para filmar suas perseguições. Então, quando Elise surge comandando a charmosa embarcação em plena noite veneziana com o intuito de salvar Frank, esperamos que a aceleração da trilha seja acompanhada por cortes rápidos e muita velocidade de câmera. Mas o que vemos é uma espécie de versão em câmera lenta daquela imaginada e sonhada por qualquer espectador. E a mesma sensação se repete quando Frank foge de pijama pelos telhados das construções locais, e até mesmo na decepcionante sequência final.

Em relações aos personagens, não poderia haver definição melhor do que a dada por Ricky Gervais na última edição do Globo de Ouro, da qual o longa participou inexplicavelmente. “Parecia que tudo era 3-D (em referência aos filmes de 2010), menos os personagens de ‘O Turista’”, disse o apresentador da cerimônia, arrancando risos de alguns e provocando o espanto de outros. Dispensando qualquer profundidade ou um mínimo de dubiedade (necessária para a conclusão da história) a Frank e Elise, o roteiro faz de Jolie e Depp um casal sem qualquer química.

Torna-se espantoso observar que o script tenha sido escrito por Julian Fellowes e Christopher McQuarrie (em colaboração com o próprio Donnersmarck), responsáveis, respectivamente, pelo magnífico “Assassinato em Gosford Park” e o ótimo “Os Suspeitos”. Sem saber mesclar intensidade com comédia, os roteiristas fazem um longa frágil, que se esfacela quando sua trama policial tem continuidade e seus mistérios vêm à tona. A inclusão de vilões russos donos da mais exagerada das caricaturas não poderia ser mais desastrosa, assim como a justificativa dada para dar fim a investigação policial e permitir o final feliz.

Com orçamento de US$ 70 milhões, a produção tem uma competente equipe técnica que sabe como aproveitar as belas locações europeias, seja nas cosmopolitas Paris e Veneza ou até na curta viagem de trem feita pelos protagonistas, ao mesmo tempo em que a trilha sonora de James Newton Howard busca dar ritmo às peripécias dos astros de Hollywood.

Pena que tanto dinheiro e aparente talento sejam desperdiçados em um filme tão comercial quanto passageiro. Pode até nem ser a tragédia que se anunciou pela crítica norte-americana, mas “O Turista” fica devendo em ação, comédia e romance. Florian Henckel von Donnersmarck começa sua carreira internacional com muita pretensão e pouco resultado. Mais uma vez Hollywood seduz e vê mais um grande potencial perder-se em algo irrelevante.

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Darlano Dídimo é crítico cinema do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, não a substituindo por nenhum outro entretenimento, por maior que ele possa ser.

Darlano Didimo
@rapadura

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