Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de janeiro de 2011

O Turista

Jolie e Depp estão rindo da nossa cara. Saiba o porquê.

“O Turista” é um filme sutilmente elaborado para fazer rir. Não um riso descontrolado e sonoro, mas aquele que contorce o canto dos lábios e te faz sentir bem.  Melhor que seja assim. Em uma comédia tradicional, a chance de Johnny Depp potencializar seus trejeitos inconfundíveis tornaria o longa desanimador. E imaginar Angelina Jolie atuando em um humor barato não é uma possibilidade plausível. O diretor Florian Henckel von Donnersmarck soube trabalhar com as limitações dos dois astros e conseguiu destacar suas qualidades.

Antes de desaprovar a indicação do filme para a categoria Musical/Comédia no Globo de Ouro 2011, é sensato reparar no real objetivo do diretor ao realizar o remake do francês “Anthony Zimmer – A Caçada”. Von Donnersmarck, que escreveu e dirigiu o excelente “A Vida dos Outros”, vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2007, desembarcou na América e ganhou os holofotes de Hollywood pelas mãos dos dois maiores astros do grande cinema. Felizmente ele não abandonou em terras germânicas a sutileza de suas narrativas, e talvez não era seu propósito filmar uma ação eletrizante, uma comédia convencional ou um romance meloso. “O Turista” copia os detalhes fundamentais de cada um desses gêneros e os posiciona em uma linha narrativa bem construída. O resultado dessa experiência é um filme burlesco na medida certa para não cair no ridículo.

Existe muito da franquia “007”, da trilogia “Bourne” e do mais recente “Salt” em “O Turista”. Em resumo, toda a estrutura tradicional dos filmes clássicos de espionagem serve de plano de fundo para o roteiro. O grande mérito de von Donnersmarck foi não levar a sério o próprio gênero que decidiu trabalhar. Em uma das primeiras sequências do longa, Depp lê um livro de espionagem que não condiz com o tipo patético de seu personagem, o turista. O diretor parece confortável ao debochar de todos os elementos de seu filme, inclusive dos dois astros.

O fato é que antes que Depp possa terminar sua leitura, Jolie investe todo o seu potencial sedutor e consegue atraí-lo para o centro de uma complexa ação policial envolvendo milhões de libras, traições e mafiosos sem escrúpulos. O argumento perfeito para um filme de investigação. Nesse ponto ganha destaque a originalidade do diretor, suficientemente cômodo para zombar de seu filme em todas as ocasiões possíveis. A aparição repentina de Jolie em seu barco luxuoso é acompanhada pelo som dedilhado de algum instrumento que faz referência ao surgimento de belas mulheres em filmes clássicos de romance, com toda a aura de perfeição e requinte.

Depp revive a antiga cena em que o mocinho caminha cheio de coragem ao pôr-do-sol, no meio da revoada de pombos na praça da cidade. Em outra sequência de ares clássicos, Jolie é recebida no baile noturno da elite veneziana (isso mesmo, um baile noturno) sob os olhares e comentários invejosos de madames com vestidos menos pomposos e penteados pouco elaborados. No ápice do baile, ao melhor modo das princesas da Disney, todos os convidados, inclusive os protagonistas, iniciam uma dança complexa em que todos já sabem os passos e dançam em perfeita sincronia. Não é necessário dizer qual casal ganha todos os olhares.

Von Donnersmarck também abusa de recursos de close-up no rosto dos atores, seja para salientar o sorriso malicioso de Jolie, seja para reforçar a sempre confusa expressão de Depp. E se o diretor assumiu o caráter caricato de seu projeto, o casal protagonista não teve problemas para acompanhar seus esforços. Jolie incorporou os trejeitos exagerados de uma típica representante da aristocracia inglesa, com gestos demasiadamente trabalhados e um semblante incorruptível. Depp ainda não conseguiu se desvencilhar do modo Jack Sparrow de atuar, mas pra sua felicidade o seu novo personagem carrega muitas semelhanças com seu papel em “Piratas do Caribe”. Mesmo assim, ao contrário de Jolie, o ator não consegue assumir de forma satisfatória a canastrice que seu papel exige no segundo ato. Entre falhas e acertos, o fato é que os nomes dos dois figuraram na lista de indicados ao Globo de Ouro.

Embora seja recheado de cenas de perseguição e tiros, “O Turista” deve desagradar quem espera por um filme de ação. Mesmo abrindo espaço para o romance entre os personagens, não é um filme dramático. Quem quer gargalhar também vai se decepcionar. Se você quer ver dois grandes atores vivendo personagens caricatos em um longa em que nem o próprio diretor parece se levar a sério, prepare-se para duas horas de um humor discreto e agradável. Von Donnersmarck, bem vindo a Hollywood!

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Jáder Santana é estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e crítico de cinema do CCR desde 2009. Experimentou duas outras graduações antes da atual até perceber que 2 + 2 pode ser igual a 5. Agora, prefere perder seu tempo com teorias inúteis sobre a chatice do cinema 3D.

Jader Santana
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