Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 15 de janeiro de 2011

A Morte e Vida de Charlie

O filme deve fazer sucesso entre o público jovem. O protagonista parece maduro demais para eles.

Se em 2010 o cinema brasileiro teve a marca da doutrina espírita em seus lançamentos, com filmes como “Chico Xavier” e “Nosso Lar”, o início de 2011 parece dar continuidade ao que já foi visto. “Além da Vida”, um drama maduro do respeitado cineasta Clint Eastwood, é a opção para o público adulto. “A Morte e Vida de Charlie”, com Zac Efron no papel principal, foi feito sob medida para agradar legiões de fãs preocupados com espinhas no rosto e o boletim da escola.

Não é justo colocar toda a responsabilidade pela pouca profundidade do filme na capacidade cênica do protagonista da franquia “High School Musical”. Superando todas as apostas, Efron surpreende pela consistência de sua atuação no papel do irmão mais velho que precisa aceitar a morte do caçula da família. O ator demonstra segurança e naturalidade ao contar a história de superação de Charlie, perdido entre lápides e visões de seu irmão.

O maior problema do filme é a notável perda de qualidade do roteiro em sua segunda metade, com a divisão do foco da narrativa em dois pólos. Charlie precisa separar seu tempo entre duas ocupações: o compromisso ad aeternum firmado com o irmão e a atração pela única garota que consegue romper seu cerco de incomunicabilidade. E então é pertinente entrar em defesa de Amanda Crew, o par romântico de Charlie, que está consideravelmente adequada para seu papel. Antes de perder pontos por interpretações medíocres de seu elenco, o filme falha pela falta de profundidade em seu segundo ato.

Enquanto a ligação entre os dois irmãos é bem trabalhada nas primeiras sequências e o luto de Charlie é bem representado por Efron, a gradativa readaptação do protagonista ao mundo real foi pouco explorada pelo roteiro adaptado do livro “The Death and the Life of Charlie St. Cloud”, do escritor americano Ben Sherwood. Conhecido no meio literário como “o novo Nicholas Sparks”, o ex-jornalista da NBC e da ABC News demonstra qualidades semelhantes ao autor de “Diários de uma Paixão” na elaboração de histórias feitas para emocionar. O diretor Burr Steers soube dar continuidade às comparações e fez de “A Morte e Vida de Charlie” um filme para arrancar lágrimas do público.

Não só o roteiro e a direção revelam traços de aproximação entre as adaptações das obras dos dois autores. A escolha de jovens atores com grande apelo junto ao público adolescente também marca as produções. Se as adaptações dos livros de Sparks trazem Rachel McAdams, Ryan Gosling, Miley Cyrus e Amanda Seyfried, o livro de Sherwood foi levado ao cinema pelas atuações de Zac Efron e Amanda Crew.

A fotografia de “A Morte e Vida de Charlie” foi trabalhada para valorizar os planos abertos das sequências de competição em alto mar e para acentuar a tranquilidade e o clima quase onírico de boa convivência na cidade. As adaptações das obras de Sparks também foram ambientadas em pequenas cidades, de população conservadora e hábitos antiquados.

Além da atuação de Efron, a trilha sonora surpreende por sua qualidade e originalidade, com canções que fogem do pop convencional esperado para filmes do gênero. A musicalidade de suas canções com influência do folk e do country clássicos também se distancia da tentativa de emocionar público e mostra mais maturidade do que o esperado.

Kim Basinger, no papel da mãe de Charlie, teve seu desempenho potencialmente satisfatório pouco explorado pelo diretor. A atriz sai de cena ainda na primeira metade do filme, sob uma alegação pouco convincente. Se a narrativa priorizasse a reconstrução do âmbito familiar ao lado da superação do luto por parte de Charlie, a superficialidade de alguns momentos seria evitada.

O maior mérito de “A Morte e Vida de Charlie” é a notável evolução de Efron e seu posicionamento na lista de promessas para o futuro. Fora isso, o que resta é a sensação de que seu talento seria melhor aproveitado em um projeto mais adulto e consistente.

___
Jáder Santana é estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e crítico de cinema do CCR desde 2009. Experimentou duas outras graduações antes da atual até perceber que 2 + 2 pode ser igual a 5. Agora, prefere perder seu tempo com teorias inúteis sobre a chatice do cinema 3D.

Jader Santana
@

Compartilhe

Saiba mais sobre