Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 08 de janeiro de 2011

Entrando Numa Fria Maior Ainda Com a Família

Nunca vi uma definição melhor para "pérolas aos porcos". Desperdiçar um elenco como o desse filme em uma produção estúpida deveria ser considerado um crime!

Sabe aquele seu amigo que fica bêbado, tenta contar uma piada, acaba se enrolando no meio, vomitando no seu sapato e depois rindo da situação? Pois bem, se esse cidadão fosse um filme, ele seria “Entrando Numa Fria Maior Ainda Com a Família”. O exagero e a escatologia dão o tom nessa terceira parte da série “Entrando Numa Fria”, uma fita que simplesmente pega um elenco de estrelas e o joga na lama.

A despeito do título original do longa (“Little Fockers”) tentar fazer parecer que os filhos do personagem de Ben Stiller, Greg Fornika, terão algum destaque na fita, os gêmeos do protagonista tem pouquíssima importância na película, cujo enredo gira em torno (mais uma vez) de Greg tentar cair nas graças de seu sogro, o agente da CIA aposentado Jack Byrnes (Robert De Niro). Jack, por sua vez, encontra-se fragilizado, já que sente sua mortalidade chegando após sofrer um infarto e busca um sucessor como chefe da família, sobrando para Greg essa responsabilidade.

No meio disso tudo, o atrapalhado Fornika ainda tem de lidar com a sua nova situação familiar, tendo de dividir sua esposa, Pam (Teri Polo), com seus filhos, enquanto o ex-namorado perfeitinho dela, Kevin (Owen Wilson), volta para a cidade. Ainda temos duas outras subtramas no longa, com Greg sendo assediado por uma linda colega de trabalho (Jessica Alba) e uma pseudo-crise no casamento dos Fornika, Roz e Bernie (Barbara Streisand e Dustin Hoffman).

Com esse excesso de tramas correndo em paralelo, é óbvio que um filme de 100 minutos teria de se virar para dar um andamento orgânico a isso tudo. Não é o que acontece. Personagens mudam de personalidade abruptamente para se adequar à narrativa e plots são encerrados abruptamente, sem a menor resolução, mostrando que os roteiristas simplesmente não sabiam o que fazer com os personagens nelas envolvidos.

Além disso, o filme teima, insiste e persiste em realizar piadas envolvendo “O Poderoso Chefão”, que simplesmente não funcionam. Até mesmo a trilha sonora do longa tenta “homenagear” o clássico tema de Nino Rota em dados momentos. Imaginar que o próprio Robert De Niro, que deu vida a Vito Corleone no segundo capítulo da saga da família mafiosa, tenha concordado com isso chega a me dar um nó no estômago. E não vamos nem entrar em detalhes na citação a “Tubarão”

O texto ainda posiciona Greg como um desastre ambulante, esquecendo até da evolução do relacionamento entre ele e Jack nos filmes anteriores da série. Colocá-lo mais uma vez na posição de se provar para o sogro mostra uma tremenda falta de imaginação dos realizadores. Fora o fato de que as piadas estão muito mais exageradas, incluindo ainda uma injeção peniana que eu preferia esquecer. Para não dizer que não falei das flores, existem alguns lampejos aproveitáveis: as cenas envolvendo Roz e Jack descobrindo o Google e o YouTube, sendo que a última não prima pela originalidade.

O elenco está no piloto automático, principalmente De Niro, que não consegue criar uma boa química com Ben Stiller, sendo que o veterano astro atua de maneira tão burocrática que parece que participou de má vontade do filme, o que não duvido. As participações de Dustin Hoffman e Harvey Keitel se resumem praticamente a pontas, tendo cada ator menos de três minutos em cena. Barbara Streisand tem sorte de contar com uma personagem excêntrica, mas as demais mulheres do elenco passam em brancas nuvens. Owen Wilson é resgatado por Streisand em um determinado ponto, mas seu personagem é simplesmente chato.

O diretor Paul Weitz parece perdido. Weitz é um cineasta que, quando vai pelo caminho da sutileza, realiza obras sensíveis e marcantes como “Um Grande Garoto” e “Em Boa Companhia”. Até o primeiro “American Pie”, a despeito de algumas cenas mais pesadas, tinha uma inocência cativante. Aqui, parece que as cenas escatológicas e o modo como elas são mostradas estão lá apenas para chocar, com Weitz mais parecendo que está comandando um episódio de “Jackass”.

Nem tecnicamente o diretor se sobressai, mais parecendo que está comandando uma versão longa de uma sitcom, só faltando as risadas enlatadas. Um exemplo da veia televisiva do longa: Em determinado momento da fita, os personagens dizem que estão indo a uma escola falar com a diretora do local (uma desperdiçada Laura Dern). Logo em seguida, é mostrada a fachada do local – que já havia sido mostrada anteriormente em uma tomada idêntica – que, depois, corta para o rosto da diretora. Ora, em cinema menos é mais, e o recurso da estabilishing shot da escola utilizado é típico de sitcons americanas, algo que já caiu em desuso no cinema há muito tempo exatamente por sua inutilidade narrativa, ao repetir uma informação que o público já possuía. A montagem ainda possui momentos confusos, como a cena onde Greg corta o dedo. A elipse entre essa “gag” (entre aspas mesmo) e a chegada de Kevin é estranhíssima, não dando espaço para o público perceber quanto tempo se passou.

Já foi dito que continuações não passam de cópias dos filmes originais, que dão mais do mesmo para o público. Bem, aqui temos uma versão piorada e mais nojenta do primeiro longa. O que mais dói é ver o elenco principal da fita desperdiçado em meio a este festival de imbecilidades. Ora, temos em um mesmo filme De Niro, Hoffman, Harvey Keitel, Laura Dern, Barbara Streisand e me fazem isso?! Um desastre completo.

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Thiago Siqueira é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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