Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 08 de janeiro de 2011

Incontrolável

Nova parceria de Denzel Washington com Tony Scott segue sem alcançar grandes trunfos.

Denzel Washington parece estar se especializando cada vez mais em encarnar os mais típicos estereótipos do cinema norte-americano. Nos últimos anos, não tem havido meio-termo para ele: ou interpreta o vilão odiado por toda uma comunidade ou o herói dono de feitos épicos que se consagra ao final da trama. E como ele adora empunhar uma arma! Experimente contar em quantos filmes ele faz às vezes de bandido e, principalmente, de policial, sempre bancando o “marrento” sem medo de disparar tiros em direção ao seu inimigo.

No entanto, quem conhece o trabalho de Washington tem consciência de que ele pode mais, afinal não se ganha dois Oscars de interpretação por acaso. Quem já conferiu “Hurricane: O Furacão” (1999) e “Dia de Treinamento” (2001) sabe disso. De cinco anos para cá, porém, esses bons papéis cessaram quase por completo e deram lugar a uma parceria que começou bem, mas que passou a visivelmente prejudicar a carreira do ator, transformando-o em um mero intérprete de thriller de ação, como é no caso deste “Incontrolável”.

Este é o quinto filme dirigido por Tony Scott que conta com Denzel Washington como protagonista (de 2006 para cá foram três produções). Desta vez, ele faz às vezes de engenheiro de trem, dividindo a cena com o condutor Chris Pine (este como Will, aquele como Frank). A dupla inicialmente nada tem a ver com o transporte de carga que vaga sozinho pelos trilhos do interior da Pensilvânia. Entretanto, logo decidem transformar um comum dia de trabalho em horas bem mais perigosas, buscando evitar que o material tóxico carregado pelo trem desgovernado destrua uma pequena, mas populosa cidade.

Simples assim. A sinopse do longa-metragem não poderia ser menos pretensiosa. E talvez por isso traga uma impressão extremamente contraditória. Se não há grandes méritos nesta história, também não há erros espantosos, daqueles de nos fazerem vibrar com uma incrível sequência ou xingar pelo dinheiro mal investido. Trata-se de uma produção assistível, que faz uma hora e meia passar com uma enorme velocidade, mas que cuja experiência se apaga da sua memória no mesmo ritmo.

O roteiro é de Mark Bomback (“Duro de Matar 4.0”), que dispensa enrolações e dá início a sua trama de ação logo nos primeiros cinco minutos, deixando claro que o que importa aqui não são os personagens, mas os fatos (e quanto mais explosivos e dramáticos eles forem, melhor). Daí então, o ritmo não para e as situações provocadas pela displicência de uma dupla de técnicos ferroviários se agigantam, sendo elas até bem fundamentadas pelo roteirista, seja através da maneira como a intercomunicação entre estações se faz ou até mesmo do jeito encontrado para conter completamente o veículo. O problema é que não há uma só surpresa. A previsibilidade está sempre presente.

Além disso, a tentativa de adentrar na vida dos dois protagonistas não atinge êxito. Chegamos a conhecer parte da corrente situação afetiva de Frank e Will, mas tudo é tão timidamente introduzido que se torna difícil simpatizar ou antipatizar com suas figuras. De um viúvo precoce a marido em crise com a esposa, pouco importa quem eles são no “mundo real”. Na verdade, a intenção parece ser criar uma oscilação no ritmo, estacando-o um pouco para acelerá-lo na cena posterior. E até que funciona!

“Incontrolável” é dono de uma edição eficiente, que sabe como condensar todos os acontecimentos em um único dia. A linearidade pode até deixar o filme ainda mais comum, mas como já foi deixado claro, também não o estraga. Tony Scott faz uso de recursos técnicos os mais variados para transformar sua história numa razoável aventura. As panorâmicas são utilizadas a toda hora, enquanto a câmera tremida fica para os momentos de maior clímax, especialmente quando a trilha sonora pouco marcante e original de Harry Gregson-Williams (“Shrek”) surge.

Em termos de interpretação, não há melhor expressão ao se afirmar que a dupla principal está em piloto automático. Se Chris Pine, mesmo em sua breve carreira, já realizou trabalhos bem superiores, enquanto Denzel Washington coloca em tela o mesmo personagem da maioria de seus filmes, aquele homem competente e cheio de si com uma incrível capacidade para se tornar herói. É mais fácil ter alguma afeição com o papel interpretado por Rosario Dawson, como uma das chefes da empresa do trem desgovernado no Estado, prestes a perder o emprego.

Sem a ambição de ressuscitar o protagonista, como foi feito no péssimo “Dejá-vu” (2006), mas quase completamente sem ambição alguma, a parceria entre Tony Scott e Denzel Washington ganha mais um capítulo de baixa qualidade, talvez o mais comercial de todos eles. “Incontrolável” é daqueles filmes bem acessíveis, que jamais faz pensar e que não entrega nada além do que propõe. Não seria surpreendente se daqui a alguns anos ele estiver fazendo sucesso nas sessões de sábado na TV, substituindo os filmes-catástrofe que tanto satisfazem os menos exigentes.

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Darlano Dídimo é crítico cinema do CCR desde 2009. Graduado em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Federal do Ceará (UFC), é adorador da arte cinematográfica desde a infância, não a substituindo por nenhum outro entretenimento, por maior que ele possa ser.

Darlano Didimo
@rapadura

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