Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 04 de abril de 2010

Atraídos pelo Crime

Sabe aqueles filmes que parecem bem mais complexos do que realmente são? O novo longa de Antoine Fuqua é um deles.

Paul Haggis fez escola. Essa é a sensação ao término de “Atraídos pelo Crime”, já que é inevitável a semelhança entre o novo longa de Antoine Fuqua (“Dia de Treinamento” e “Rei Arthur”) e a obra que levou o Oscar de melhor filme em 2006, “Crash – No Limite”. Além de retratarem várias histórias ao mesmo tempo que se passam em grandes centros urbanos americanos, os dois sofrem do mesmo mal: são prejudicados pela grande pretensão que possuem. Na verdade, a película de Fuqua mais parece uma inspiração da trama protagonizada por Matt Dillon em “Crash”, com seus policiais corruptos e sempre em situação de tensão. Mas se há algo que os diferencia, isso é a direção talentosa de Haggis e a mensagem mais explícita de seu roteiro. Nesses quesitos, aliás, “Atraídos pelo Crime” perde feio.

O longa, pelo menos, procura reduzir o número de personagens. Aqui, temos apenas três protagonistas, todos policiais do bairro nova-iorquino do Brooklyn. O primeiro a nos ser apresentado é Sal (Ethan Hawke), que, depois de uma conversa sobre o que é certo e errado, mata um homem para roubar o seu dinheiro. Pai de família com quatro filhos e com mais dois à caminho, ele está desesperado para tirar sua esposa do aperto e do perigoso mofo de sua atual casa. Quer comprar uma nova propriedade, dar conforto para os filhos. No entanto, o salário de policial impossibilita seu sonho, e o meio mais fácil para conseguir grana é escolhido.

Já Tango (Don Cheadle) convive há dois anos com criminosos. Escalado para se infiltrar em uma gangue que domina o tráfico de drogas na região, ele acabou se confundindo. Não sabe mais se é mocinho ou bandido. A corporação, porém, quer lhe dar uma chance: ele será promovido caso consiga provas que levem Caz (Wesley Snipes), um perigoso traficante, de volta à prisão. O problema é que o bandido é seu amigo, tendo-lhe até salvado a vida uma vez, o que dificultará sua escolha.

Enquanto os dois ainda devem ter anos de profissão pela frente, Eddie (Richard Gere) conta os dias para se aposentar. Ele está há uma semana de se livrar do pesadelo diário que enfrenta ao vestir o uniforme, carregar a arma e rondar as ruas do bairro. Pensa regularmente em se matar, mesmo que com uma pistola sem balas. Não tem família, nem amigos. A  pessoa com quem possui uma relação mais próxima é uma prostituta que visita eventualmente. Bebe compulsivamente. E como se não bastasse, ainda é selecionado para ajudar novos policiais em seu ofício. Função pior não poderia haver.

Investindo nos dilemas rotineiros enfrentados pelos policiais do Brooklyn, “Atraídos pelo Crime” traz uma primeira impressão positiva. Diante de tantos filmes policiais voltados apenas para a ação, esse parece ser um drama denso que explicita as dificuldades na vida dos responsáveis por proteger diariamente a vida dos americanos. Com o desenvolvimento da história, no entanto, o que vemos é lamentação atrás de lamentação, nunca sendo devidamente mostrados os motivos que fazem esses policiais se envergonharem do que são.

Os três protagonistas já são apresentados em uma situação limite, e o passado deles permanece nebuloso. Eddie parece ser um depressivo sem motivos, Tango tem uma trama confusa de envolvimento com o tráfico, e Sal é acometido por um estress ininterrupto. O roteiro do estreante Michael C. Martin, enfim, se perde em suas intenções. A profundidade de seus personagens é a meta, mas os fatos são tantos e tão comuns, que nunca chegamos a conhecê-los apropriadamente. Diálogos reveladores poderiam ser a saída, mas eles simplesmente não acontecem.

Assim como a maioria dos filmes com tramas múltiplas, a impressão aqui é de que, se desenvolvidas separadamente, em uma película dedicada apenas para si, as histórias renderiam uma bela fita. A trama de Tango, particularmente, poderia ter sua conturbada relação com a esposa desenvolvida, assim como o seu gradual envolvimento com o tráfico. Em vez disso, o roteiro aposta na inclusão de chefes de polícia arrogantes em seu trabalho e no nascimento de uma nova gangue que pretende tirar o grupo liderado por Caz do “poder”. Com potencial para ser a melhor do longa, a história é prejudicada pelo destino comercial que o enredo acaba lhe rendendo.

O desfecho, aliás, não poderia ser pior. Da necessidade de dar um ponto final ao que criou, Michael C. Martin se entrega a velhas fórmulas hollywoodianas no terço final do filme, desesperado por uma conclusão trágica que dê a devida proporção aos dramas que seus personagens vinham passando. Além disso, ainda trata de interligar desnecessariamente os protagonistas, transformando uma rua do Brooklyn num palco de horror. Um final em aberto não consertaria o filme, mas seria a opção mais acertada para um longa que pretende retratar a rotina complexa de policiais do Brooklyn.

O diretor Antoine Fuqua também contribui para o aumento da pretensão de “Atraídos pelo Crime”. Com uma trilha sonora sempre presente, ele aposta nas mensagens politicamente incorretas do roteiro e dá densidade ao filme. Algumas sequencias funcionam, como a tensa cena inicial. Em outras, ele exagera, principalmente ao optar pela câmera lenta. Fuqua chega até a se perder um pouco no ritmo, prejudicado pela edição falha da fita, que esquece o personagem de Ethan Hawke durante longos minutos, mas retoma a velocidade do meio para o final do filme.

No elenco, os grandes nomes têm resultados distintos. Ethan Hawke, no seu segundo trabalho com o diretor, surge acima do tom em muitas cenas. Richard Gere, que tenta cada vez mais desvincular sua imagem de filmes românticos, traz justamente a sensibilidade que adquiriu ao longo dos anos, mas esquece a intensidade que um policial precisa ter, mesmo que perto da aposentadoria. Já Don Cheadle é o melhor dos três, com sua discrição e capacidade de fazer boas cenas de ação. Ele divide a tela com um surpreendente Wesley Snipes.

Contando com um roteiro que peca pela sua pretensão, “Atraídos pelo Crime” é mais um daqueles filmes que parecem mais complexos do que realmente são. No entanto, sobram fatos e falta profundidade. Paul Haggis realmente tem seguidores fiéis que tentam copiar o seu cinema a todo custo. Falta-lhes apenas mais talento para dirigir e enganar melhor o público e a crítica.

Darlano Didimo
@rapadura

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