Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de fevereiro de 2010

Um Olhar do Paraíso

Muito estilo e menos substância. A despeito de estar longe de ser terrível, o filme não é uma obra-prima por contar com uma boa cota de defeitos em sua narrativa.

Um Olhar do ParaísoPeter Jackson e suas colaboradoras Philippa Boyens e Fran Walsh tomaram o mundo de assalto com sua adaptação de “O Senhor dos Anéis”, uma daquelas obras literárias que muitos acreditavam ser intransponível para as telas. O diretor e suas co-roteiristas tentaram repetir a façanha com este “Um Olhar do Paraíso”, versão fílmica do romance “Memórias de Um Anjo Assassinado”, escrito por Alice Sebold. No entanto, o resultado desta vez foi um filme bem irregular.

A trama nos é narrada pela jovem Susie Salmon (Saoirse Ronan). Aos 14 anos, ela é uma feliz garota vinda de uma família bem comum, que está enamorada pela arte da fotografia e sonha em dar seu primeiro beijo com o charmoso e sensível estudante inglês Ray. No entanto, Susie é assassinada por um pedófilo, seu vizinho George Harvey (Stanley Tucci). É do meio-termo entre o Céu e a Terra que a jovem nos conta sua história, bem como observa como as vidas de seus pais, de seu amado e de seu assassino prosseguiram sem ela, ao mesmo tempo em que sua alma procura descansar em paz.

Não precisa dizer que se trata de uma história tremendamente ambiciosa, mas Peter Jackson parece ter uma paixão por desafios complicados. Sua bela visão do Paraíso (ou do “Meio-Termo”) me lembrou um pouco de “Constantine”, com o outro mundo sendo uma versão onírica da Terra, com ambos podendo ser afetados pelo outro, algo bastante interessante, mesmo que pouco desenvolvido. Outra similaridade com aquele filme é que os espíritos podem, de alguma maneira, influenciar o comportamento dos vivos, algo também não mostrado em muitos detalhes.

Essa falta de explicações sobre como funciona a passagem entre os mundos incomoda bastante, mas faz sentido, já que o filme não é sobre essa influência, mas sobre como prosseguir vivendo após uma grande tragédia. Nesse sentido, o personagem de Mark Wahlberg, Jack Salmon, é o grande destaque. Pai de Susie, Jack sofre uma perda inimaginável, já que era extremamente ligado à menina. Vindo de uma sequência de filmes fracos, fiquei impressionado com a capacidade de Wahlberg em retratar essa dor de uma maneira nada caricatural.

A morte de Susie desestabiliza todo o núcleo familiar, principalmente por conta desta tragédia ter colocado Jack em uma busca quase obsessiva pelo assassino da garota. Rachel Weisz vive Abigail, mãe de Susie. Honestamente, não consegui me ligar muito a esta personagem. Weisz tem pouquíssimo tempo em cena e, por consequência disso, Abigail nunca é desenvolvida de maneira adequada, levando o público até a sentir certa antipatia por ela quando esta toma uma atitude que chega a ser infantil.

Aliás, a infantilidade é um dos maiores traços do maior erro desse filme, a vovó Lynn, interpretada por Susan Sarandon. Aparecendo em 90% das suas cenas com um cigarro na mão (certas vezes até com dois), Sarandon tem aqui uma das piores performances de sua carreira, com momentos de canastrice que chegam a rivalizar o de John Travolta em “A Reconquista”. O pior é que as sequências onde a atriz está realmente desastrosa podiam ter sido podadas sem nenhum problema, pois simplesmente cortam o ritmo da história e só servem para constranger o público e seus companheiros de tela.

No entanto, devo destacar o ótimo trabalho de Saoirse Ronan e Stanley Tucci. A primeira, que vive nossa narradora e protagonista, é uma promissora jovem atriz com um futuro potencialmente brilhante pela frente. Conquistando-nos nas cenas “terrestres” de Susie, Ronan ainda consegue levar de maneira coerente sua personagem nas cenas do paraíso onírico idealizado por Peter Jackson.

Tucci, por sua vez, cria um personagem realmente assustador e complexo. Não obstante possuir um monstro dentro de si, George Harvey ainda é um habilidoso artesão e cuidado que tem em esconder sua verdadeira persona e seus atos cruéis chega a dar calafrios no espectador. Cada inflexão, gestos e até mesmo a respiração de Stanley Tucci foram medidos cuidadosamente na composição deste fantástico vilão. Ressalto ainda o bom trabalho de Michael Imperioli como o detetive Ray (lembrando muito seu papel na série “Life on Mars”) e de Rose McIver, que vive a irmã mais nova de Susie, Lindsey.

A cinematografia inspirada de Andrew Lesnie funciona bem nos dois fronts. Enquanto com suas cores mais estouradas dá um clima setentista para a fita, nos moldes de “Zodíaco”, os tons mais brilhantes dão o tom do Paraíso de Susie, surgindo uma paleta mais sombria quando necessário.

Nesse mesmo departamento, ainda louvo o bom trabalho da equipe de efeitos especiais em criar o mundo da protagonista, mesmo que aquela rosa dentro do gelo tenha ficado um tanto quanto cafona. Já a montagem do filme não convence,  sendo um tanto quanto arrastada (algo agravado pela metragem excessiva da produção), enquanto a dinâmica da transição entre os dois mundos é deveras inconstante. Assistir ao filme, em alguns momentos, torna-se cansativo, justamente por conta das alternâncias constantes de ritmos, tons e realidades.

Peter Jackson e sua equipe cometeram mais acertos do que erros em levar o belo livro de Alice Sebold para as telas. No entanto, os escorregos foram bastante acentuados, resultando em uma fita aquém do seu talento, podendo decepcionar os fãs tanto da obra literária original, quanto do cineasta.

P.S.: Espectadores mais atentos podem achar um pôster de “O Senhor dos Anéis” em uma livraria e uma rápida ponta do próprio Peter Jackson em dado momento da película.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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