Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 28 de novembro de 2009

Planeta 51

Apesar de alguns eventuais furos de roteiro, "Planeta 51" diverte bastante, embora não seja certo que seu público-alvo capte boa parte das piadas desta animação.

Durante os anos 1950 e 1960, os cinemas americanos estavam recheados de ficções científicas cujas intenções variavam da simples diversão até parábolas da paranóia nuclear. Para se ter a ideia de como o americano médio realmente estava propenso a acreditar nos “homenzinhos verdes”, foi nesta época que Orson Welles assustou metade dos EUA com sua radio transmissão de “Guerra dos Mundos”, por exemplo. “Planeta 51″ traz uma visão interessante desse período, mas com a humanidade como os visitantes alienígenas.

O tal Planeta 51 do título é, na verdade, um mundinho idílico que, apesar de alguns avanços tecnológicos, é bastante atrasado em astronomia e cuja cultura de seus esverdeados e antenados habitantes é idêntica a dos americanos nos anos 1950, inclusive quanto aos filmes de ficção científica. O longa foca na pacata vidinha do adolescente Lem, um garoto que acabou de conseguir seu primeiro emprego no centro de astronomia de sua cidade e está prestes a convidar Neera, a garota dos seus sonhos, para sair.

No entanto, Lem acaba embarcando em uma aventura quando uma espaçonave pousa perto do seu quintal, trazendo consigo o astronauta canastrão e boa-praça Capitão Charles “Chuck” Baker, que pensava que estaria pisando em um mundo desabitado. Acidentalmente assustando todo aquele planeta, o Capitão Baker acaba se tornando o proverbial alien procurado pelos militares, podendo contar apenas com a ajuda de Lem, do amalucado amigo deste, Skiff, e do robozinho terrestre Hover para voltar à sua nave e ao nosso mundo.

Produzido pelo pequeno estúdio espanhol Ilion Animation Studios, o filme impressiona por sua qualidade técnica. Claro que está longe de ter um selo de qualidade Pixar, por exemplo, mas a animação é bastante fluida e com boa textura, os personagens são agradáveis aos olhos e a fita possui bons efeitos, à exceção de uma sequência no fogo no clímax da película que ficou um tanto estranha.

Contando com uma fotografia bastante colorida, algo que também remete aos “tempos dourados” que foram os anos 1950, os realizadores nos mostram aquele mundo alienígena bem parecido com o nosso passado, criando logo uma sensação de familiaridade, mas sem esquecer de mostrar que se trata de outra civilização.

Ao adotar um design de personagens mais caricatural, o longa se isenta de eventuais falhas nos traços dos personagens, algo ideal para o projeto. No geral, palmas para os diretores Jorge Blanco, Javier Abad e Marcos Martinez que souberam apostar bem na simplicidade e mostraram que não é preciso a fazer algo extremamente elaborado para ser eficiente.

Enquanto o visual consegue agradar, o roteiro, escrito pelo americano Joe Stillman (dos dois primeiros “Shrek”), acaba dependendo demais de referências a outras produções sci-fi para andar. A cada minuto, uma outra obra é citada seja visualmente ou textualmente mesmo. O robozinho Hover, por exemplo, podia muito bem ser um primo perdido de “Wall-E”, mas esta é só a ponta do iceberg. “O Dia Em Que a Terra Parou”, “Attack of the 50ft. Woman”, “Vampiros de Almas”, “Os Eleitos”, “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, “Star Wars”, “Alien – O Oitavo Passageiro”, “E.T. – O Extra-terrestre” e até “Nascido Para Matar” são citados no longa sem grandes cerimônias.

Nesse sentido, Stillman meio que reprisa o que fez com os longas do ogro verde, mas esquece que contos de fadas possuem um apelo bem maior junto aos pequenos que filmes antigos. Por mais que as referências sejam bem encaixadas – e realmente são efetivas e divertidas – o público-alvo da fita, em sua maioria, simplesmente não tem idade ou bagagem cinematográfica para captar essas piadas. Nisso, os adultos ficam gargalhando sozinhos nos cinemas enquanto a criançada simplesmente não entenderá os motivos. O visual do filme e algumas gags são universais, mas a produção realmente  se equivocou nesse ponto.

Além disso, a fita possui alguns furos gritantes de roteiro. O personagem Glar é um deles. Era até natural que Lem tivesse um concorrente pelo amor de sua amada Neera, mas Glar é um hippie clássico e tal movimento só foi surgir nos EUA em meados dos anos 1960. Neste caso, um motoqueiro rebelde teria sido uma inclusão mais lógica para bancar o rival do protagonista. É interessante notar também que a Volkswagen aparentemente abriu uma filial no espaço, vide a “van” do alien paz e amor. Além disso, o hippie verdinho ainda se envolve em outra falha da história ao aparecer basicamente do nada para ajudar os heróis no terceiro ato da trama.

Apesar disso, o filme diverte, usando muito bem tipos carismáticos que encarnam figuras clássicas do cinema. Lem é um protagonista de fácil identificação junto ao público, justamente por encarar bem o arquétipo do herói relutante. Chuck diverte por seu carisma e jeito de galã atrapalhado.

Aliás, a boa dublagem deste por Guilherme Briggs acaba funcionando como outra referência cinematográfica, afinal Briggs é quem dá voz à Buzz Lightyear, da franquia “Toy Story”, que claramente influenciou muito o personagem. Lem e Chuck possuem uma ótima química, com os diálogos dos dois sendo os mais divertidos do longa, sendo impossível não rir da cena em que o astronauta tenta ensinar o atrapalhado verdinho a dançar.

Dentre os demais personagens, destacam-se o divertido nerd paranóico Skiff e o militar xenófobo General Grawl (com sua Base 9 repleta de sondas terrestres). O destaque negativo vai para o professor Kipple e sua tara por cérebros alheios. Kipple acaba sendo um vilão mais sinistro do que parece a princípio, com sua mania em relação às cabeças alheias gerando duas cenas que simplesmente não funcionam no contexto do longa.

Deve-se falar também da mensagem positiva de aceitação do que é diferente que o filme passa, mostrando que o preconceito pode ser algo inerente a qualquer um, mas que ao abraçar a união entre os povos, nos tornamos mais fortes. Transmitir isto sem tratar o assunto de modo excessivamente piegas rende elogios.

Mesmo escorregando aqui e ali, “Planeta 51″ acaba sendo um bom passatempo, mostrando que boas animações digitais podem, de fato, ser feitas fora dos EUA. No entanto, os pais que levarem seus pequenos para conferir a fita terão de gastar um tempinho explicando para os filhos por  que riram feito malucos ao ver determinadas sequências do longa. Bom, pelo menos isso pode acabar gerando interesse dos pequenos por alguns outros filmes em um futuro próximo…

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

Compartilhe

Saiba mais sobre