Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 19 de janeiro de 2008

Eu Sou a Lenda

Com uma gigantesca publicidade, "Eu Sou a Lenda" chega às telas brasileiras prometendo tomar as bilheterias. Mas o filme não convence, fazendo uso abusivo de tentativas de ação para enganar o espectador menos atento. Trata-se de um longa-metragem que poderia ser descrito como: medíocre, repetitivo e cheia de falhas.

O mundo comemora o que pode ser a possível cura do câncer. Uma pesquisadora (Emma Thompson, em participação especial) anuncia que conseguiu produzir um vírus que agirá sobre o câncer, revertendo seu processo danoso para o homem. Só que esse projeto dá errado, transformando-se em uma verdadeira catástrofe: o vírus sofre uma terrível mutação, fazendo com que os humanos virem uma espécie de mortos-vivos, que não conseguem viver na luz e atacam com uma ferocidade sem limites. Estranhamente, Robert Neville (Will Smith, da franquia “Homens de Preto”) tem imunidade à tal doença, altamente contagiosa e que acabou com praticamente 99% da população mundial.

Ficando para trás sozinho em Nova York, Neville tentará descobrir a cura, utilizando para isso pesquisas com base em seu sangue imune, acreditando estar nele alguma forma de solução. É então que ele passa a enfrentar um verdadeiro terror: de dia, vive normalmente, buscando alimentos, exercitando-se, assistindo a filmes. Mas à noite, ele se fecha em um mundo de escuridão, protegido na fortaleza em que transformou seu apartamento.

Até aí tudo bem. Quer dizer, quase. Impossível não lembrar do recente “Extermínio” ao assistir esse filme. A trama parte do mesmo princípio: humanos infectados, somados aos raros sobreviventes que sofrem horrores para permanecerem bem. A diferença é que “Extermínio” foi extremamente bem realizado, em cada um de seus setores. O elenco é impecável, a direção é extraordinária, os efeitos são bem feitos – e isso tudo com um orçamento bem mais em conta que “Eu Sou a Lenda”. Este último deixa muito a desejar.

Até a metade da projeção, a super-produção parece interessante. Entre flashbacks, vemos como um homem terminou sozinho em uma cidade completamente isolada. Antes de vermos finalmente as criaturas de quem Neville se esconde e ao mesmo tempo tenta curar, a tensão permanece. Mas tão logo são apresentadas em câmera… o longa começa a ter sucessivas quedas em sua história.

Fazendo uso de todo e qualquer clichê que uma história do tipo poderia utilizar, o filme é quase constrangedor. Falhas em cima de falhas e buracos dentro da trama, coisas bobas que tiram do trabalho um dos principais atributos que o longa deveria ter trazido em seu corpo: em uma ficção, por mais incrível que seja a história, o espectador precisa comprá-la. Sem isso, não há película. Em determinada cena, Neville encontra dois outros sobreviventes que o ajudam: uma mulher e uma criança. Em seguida, ele empresta o quarto de sua filha para a criança dormir. E pasme: depois de três anos fechado, o quarto está impecavelmente limpo e decorado. Essa é só uma das muitas coisas estranhas, que a princípio podem parecer simples, mas a longo prazo é o que faz a história funcionar na cabeça de quem assiste.

Ainda que ignorássemos todas as falhas, continuaria sendo pobremente executado. A direção de Francis Lawrence (“Constantine”) não convence. Talvez um ou dois sustos seja o máximo que ele conseguiu extrair de um filme que é centrado justamente na tensão, no horror. Os momentos mais dramáticos não comovem, quase fazem você entrar na situação, mas você não entra. Parece que está sempre faltando alguma coisa. Para não dizer que não há nada de positivo no trabalho dele, há de se elogiar os planos bem realizados da Nova York vazia. E aqui fica difícil novamente não lembrar de Danny Boyle em seu “Extermínio”, quando esvaziou a Londres infectada de seu longa.

Talvez se o personagem de Neville fosse melhor construído, todo o trabalho tivesse sido melhor realizado. Will Smith está bem na película, acho inclusive que ele é um dos bons atores da saturada indústria hollywoodiana, mas poderia ter sido melhor aproveitado. Carregando nos ombros a infeliz posição de levar o filme inteiro nas costas, ele consegue achar um bom tom entre a esperança e a quase loucura de um homem que vive sozinho há quase três anos.

E sim, ficam os créditos por uma das mensagens que o filme carrega. Em discussão sobre Deus, sobre quem teria causado à raça humana tanta desgraça, Neville dispara: “Deus não fez isso. Os homens fizeram”. A conversa sobre as conseqüências geradas pela constante interferência do homem na natureza pode ser repetitiva, mas é atual. Talvez bater nessa tecla nunca seja realmente demais.

Beatriz Diogo
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