Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 09 de outubro de 2010

The Runaways – Garotas do Rock

O filme tenta tudo, menos retratar de forma satisfatória a história da banda.

Em 1975, um grupo de garotas resolveu colocar uma vírgula na história do rock. O conjunto The Runaways foi o primeiro formado apenas por mulheres, que cantavam um rock ‘n’ roll de qualidade e principalmente de atitude. Por trás do sucesso, como sempre, havia um mentor, chamado Kim Fowley, que construiu o visual da banda como ponto primordial, seguindo o conceito, já muito bem sucedido, Sex Pistols de ser. Mas isso não queria dizer que o som não era bom, muito pelo contrário. Mas depois de pouquíssimo tempo, quatro anos para ser mais exato, a banda terminou devido a conflitos, que se mostravam evidentes com a constante troca de integrantes.

“The Runaways – Garotas do Rock” apresenta a história da banda desde seu inicio (ou tenta), quando a vocalista e guitarrista Joan Jett conhece o produtor Kim Fowley e a baterista Sandy West, e posteriormente a baixista Jackie Fox (que no filme é substituida por uma personagem fictícia chamada Robin), a guitarrista Lita Ford e a sedutora vocalista “sweet sixteen” Cherie Currie.

O filme passa pelos seus olhos sem dizer nada e nem deixar saudades. Montando os fatos de forma precária e ilusória, não conseguimos nem ao menos captar um terço da essência da banda verdadeira. Baseado no livro “Neon Angel: The Cherie Currie Story”, escrito pela própria Currie, fica a dúvida se a obra é sobre a vocalista e sua parceira Joan Jett, ou um retrato da banda. Dos ensaios para o sucesso, do sucesso para as drogas, das drogas para os conflitos e o inevitável fim. Tudo comprimido de forma incrivelmente medíocre, com as outras integrantes sendo simplesmente extirpadas do processo.

Claramente que todos os olhos estão voltados para as garotas prodígio Dakota Fanning e Kristen Stewart, interpretando Cherie Currie e Joan Jett, respectivamente. Apesar do talento das garotas, o resultado, assim como todo o filme, é desprovido de alma própria. Enquanto Fanning parece desconfortável ao se despir, literalmente, da inocência de outrora – onde falava com animais e era sempre inteligentemente fascinante -, Stewart se sai um pouco melhor com a masculinizada Jett, mas apesar de entregar uma interpretação satisfatória, seus trejeitos de garota tímida (que já estão se tornando um cacoete) acabam minando o resultado final, mostrando que sempre tem um pouco de “Bella” em suas personagens.

Já Kim Fowley, interpretado pelo sempre excêntrico Michael Shannon, é um refresco, apesar de que, com um tempo de projeção, sua chatice se torne um fator limitante. Claramente que o produtor, assim como todos bons vendedores de celebridades da época, devia ser um sujeito intragável, mas seu repetitivo incentivo à banda, baseado apenas em insinuações sexuais, acabam em certo momento cansando. Mas no geral seu personagem é de longe o melhor.

Já as outras integrantes simplesmente não existem. Como já foi dito, a baixista Jackie Fox não quis ser nem ao menos citada no filme, sendo substituída pela ficcional Robin, que entra e sai calada. Lita Ford, a guitarrista virtuosa de cabelos lisos, tem suas únicas aparições direcionadas à posição de chata e vilã, o que fica explícito em uma cena final, onde o senso do ridículo é simplesmente ultrapassado. Lita também não se envolveu com o filme, claramente. Sandy West, que morreu em 2006, tem uma participação um pouco mais relevante, mas sempre caricata e sem profundidade.

Os pontos positivos do longa vão para a produção, que modela com perfeição o visual das garotas. O show no Japão é simétrico. Talvez o espírito de anos 70 pudesse ser melhor trabalhado, pois não sentimos tanto a viagem para aquela época devido ao caráter extremamente pop instaurado pelas atrizes principais, mas a trilha sonora arrasadora segura as pontas, com clássicos que passam por James Brown, The Stooges e David Bowie. Outro ponto positivo é o fato das atrizes Fanning e Stewart cantarem algumas canções, com um resultado convincente.

A direção de Floria Sigismondi é competente, mas desprovida de originalidade. Fica no feijão com arroz, tudo bem videoclipe, que é sua área. Já seu roteiro, baseado no livro de Currie, como já foi citado, é uma afronta a história da banda, por resumir de maneira caótica sua cronologia, fazendo com que seu desfecho apresente um chilique ao invés de um rompimento.

Joan Jett e Cherie Currie tiveram uma posição importante na história da música, pois foram as primeiras representantes femininas enfáticas do rock ‘n’ roll marginal da época. Joan Jett, depois de terminar com The Runaways, gravou alguns dos clássicos mais maneiros do rock, como “I Love Rock ‘n’ Roll”, “Crimson and Clover” e “Bad Reputation”. Com o filme, o  valor das musicistas é de longe explorado e, apesar delas serem as únicas visadas na produção, com certeza a intenção de relembrar a época perdida foi uma decepção.

Ronaldo D`Arcadia
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