Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 30 de agosto de 2008

Reino Proibido, O

Mesmo tendo suas muitas falhas de roteiro, "O Reino Proibido" ganha o espectador pela diversão que proporciona, além do ótimo encontro entre duas lendas das artes marciais.

Jackie Chan e Jet Li são duas das figuras asiáticas mais conhecidas da história da sétima arte. Ambos são artistas marciais fenomenais, embora costumem explorar seus talentos de maneiras diferentes nas telas. Enquanto Chan fez carreira interpretando tipos divertidos em filmes de temáticas leves, Li teve sua persona cinematográfica ligada a papéis mais sérios, geralmente vilões durões ou heróis em situações desesperadas. Um encontro dos dois era um sonho antigo dos fãs de filmes marciais, realizado neste "O Reino Proibido". Mesmo com essas duas lendas-vivas do kung-fu no elenco, o filme passa longe da perfeição.

Por se tratar de uma produção americana, obviamente que estes não iam deixar de ter um compatriota em um papel principal. Escolheram o jovem Michael Angarano para viver Jason, um garoto que se mudou recentemente para Chicago junto de sua mãe. Fanático por filmes antigos de kung-fu, Jason passa um bom tempo em Chinatown, onde faz amizade com o velho dono de uma loja de penhores (Jackie Chan), local onde compra seus filmes. Certo dia, um grupo de arruaceiros de sua escola resolve roubar a loja, obrigando Jason a ajudá-los a entrar no local.

Durante a confusão que se segue na tentativa de roubo, Jason acaba por pegar um antigo bastão e é teleportado para a China antiga, dominada por um tirano imortal conhecido como o Guerreiro de Jade (Colin Chou). Atacado pelos homens do governante local, Jason é salvo por Lu Yan (Chan de novo), um lutador imortal que depende de vinho para sobreviver e revela que o bastão dele é a chave para libertar o poderoso e travesso Rei Macaco, o único que pode derrubar o Guerreiro de Jade. Eles, então, começam uma jornada para salvar o reino, ganhando logo a companhia da bela Pardal (Yifei Liu), cujos pais foram mortos por homens do Guerreiro de Jade, e de um Monge (Li novamente), cuja missão é resgatar o Rei Macaco e sofre de arrombos de senso de humor.

O.K., tudo parece muito bom, mas existem alguns problemas na execução do filme. O primeiro está na própria escalação de Jet Li para viver o Rei Macaco. Ora, Li nunca foi conhecido por seu senso de humor físico (ao contrário de Chan), e é notável na tela que ele não possui a extroversão necessária para o papel. Isso acaba por gerar um certo choque junto aos fãs do ator ao vê-lo mostrando o traseiro para o adversário em dado momento.

Outro detalhe realmente incômodo é o modo de falar de Pardal. Embora a personagem não seja nada ruim e a atriz que a interpreta até esteja bem no papel, a mania dela de se referir a si mesma na terceira pessoa é realmente irritante. No entanto, meio que esquecemos tais problemas quando a história começa a decolar e, principalmente, durante a ótima luta entre Chan e Li, muito bem coreografada e executada com perfeição pelos atores. Ambos podem até não estar no auge de suas habilidades, mas ainda sabem muito bem como lutar.

Jackie Chan está muito a vontade no papel de Lu Yan. O personagem, aparentemente raso, acaba por ganhar uma conotação mais dramática com o passar da projeção, mas nunca perdendo o bom humor. Sua participação como o dono da loja de penhores também não desagrada e a maquiagem que envelheceu Chan foi bem realizada.

Jet Li, por sua vez, se sai bem como o Monge, pelo menos na maioria das cenas. Seu papel, aliás, é bastante estranho, pois, aparentando seriedade na maioria das suas cenas, do nada, o monge tem um ataque de senso de humor e faz uma piada ou uma gag física. É aqui que nem o roteiro, nem o ator acertam tanto. Em uma cena em particular, tal característica foi bastante exagerada (vocês saberão qual é ao assistir ao filme). Como o Rei Macaco, Li passa pelos problemas descritos anteriormente. É um caso a se pensar se os papéis dele e de Chan não deveriam ter sido invertidos…

Michael Angarano é bastante carismático e se sai bem como o jovem Jason, não sendo o seu personagem tão irritante quanto eu achava anteriormente que seria. Aliás, Jason acabou me lembrando muito o protagonista de outro longa lançado este ano, o panda Po, de "Kung Fu Panda". Ora, os dois são fãs incondicionais de artes marciais, com seus quartos repletos de produtos ligados a seus ídolos, são atrapalhados e não sabem nada sobre kung-fu. Até mesmo a seqüência de sonho no inicio do filme está lá!

Fechando o grupo dos heróis está a jovem e bela Yifei Liu. A chinesa não decepciona no inglês e é ótima nas cenas de luta, tendo potencial para uma carreira em Hollywood. Já os vilões… Bem, eles são maus. Sério, não existe nada tridimensional neles, sendo pura e simplesmente malignos. Tanto o Guerreiro de Jade, vivido por Colin Chou, quanto a bruxa Ni Chang, interpretada por Bingbing Li, são antagonistas. Bom, pelo menos esta última possui um visual bacana.

Na direção, o experiente Rob Minkoff estréia bem no mundo das artes marciais. Seu trabalho com filmes mais infantis até ajudou na criação do clima de fábula proposto, além deste mostrar que sabe trabalhar com efeitos visuais. No entanto, faltou uma certa "pegada" a mais para fazer um filme mais fechado. De qualquer maneira, Minkoff soube impor ao longa um bom e divertido ritmo, trabalhando em conjunto com o editor Eric Strand.

Ainda nos aspectos técnicos, o diretor escolheu o cinematógrafo Peter Pau, responsável pela ótima fotografia de "O Tigre e o Dragão", Embora aqui o trabalho apresentado não tenha sido tão complexo quanto no longa de Ang Lee. Palmas ainda para o desenhista de produção Bill Brzeski que criou alguns cenários realmente interessantes.

Embora tenha seus problemas, "O Reino Proibido" será diversão garantida para os fãs de artes marciais, mas desagradará quem esperar por mais que uma fita leve. Pessoalmente, esperava mais de um filme que marca o primeiro (e possivelmente último) encontro entre Chan e Lee, mas deu para quebrar o galho. Recomendado, mas com ressalvas.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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