Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 03 de agosto de 2008

Múmia: Tumba do Imperador Dragão, A

É bastante provável que a maioria daqueles que gostaram dos divertidos dois primeiros exemplares da franquia "A Múmia" tenham uma péssima surpresa com este "A Múmia - Tumba do Imperador Dragão", que não agrada nem como matinê descompromissada.

Era inevitável uma mudança drástica de rumos na franquia "A Múmia". Desenvolvida pelo cineasta Stephen Sommers como uma agradável mistura de "Indiana Jones" com o monstro egípcio clássico da Universal (que distribui a franquia, aliás), os dois primeiros filmes da série agradavam por seu ritmo alucinado, ótimos efeitos especiais, certeiras piadas auto-referênciais. Além disso tudo, agradava principalmente pelo carisma de seu trio de estrelas, Brendan Fraser, Rachel Weisz e John Hannah, cada um encarnando um estereótipo típico de filmes de aventura (neste caso, o aventureiro, a pesquisadora e o ganancioso, respectivamente).

Com a saída de Sommers da série, a situações começaram a se deteriorar. Rachel Weisz também não demorou a anunciar que não tinha interesse em revisitar sua personagem. Ávida por uma nova seqüência da lucrativa saga, a Universal contratou o diretor Rob Cohen ("Velozes e Furiosos") e os roteiristas Alfred Gough e Miles Millar ("Smallville") para prepararem o novo episódio.

Cohen rapidamente colocou Maria Bello ("Marcas da Violência") no lugar da antiga co-protagonista da saga e o filme começou a ser rodado, sendo finalmente lançado, tendo sua ambientação saindo do Egito e indo para a China (não por coincidência, palco dos Jogos Olímpicos deste ano). No entanto, em um ano que já viu o retorno de Indiana Jones, há lugar para uma nova aventura da família O'Connell, ainda por cima com tantas mudanças no cerne de sua história?

Infelizmente, a resposta é negativa. Sem um pingo da química dos filmes anteriores, este "A Múmia – Tumba do Imperador Dragão" não passa de uma pálida sombra dos exemplares anteriores da série. O filme começa com uma (excessivamente) longa seqüência mostrando a origem do impiedoso Imperador Han (Jet Li), que unificou a China através da espada de seus exércitos e do poder de sua magia. Buscando atingir a imortalidade, o governante procura a ajuda de uma poderosa feiticeira (Michelle Yeoh) que, ao ser traída, joga uma maldição no déspota e em seu exército, transformando-os nos famosos soldados de terracota.

Milênios depois, em 1946, a família O’Connell encontra-se em uma crise. Enquanto o outrora adorável garotinho Alex (Luke Ford), tornou-se um jovem rebelde arqueólogo, ávido para sair da sombra de seus pais – lembra alguém? -, o casal Rick (Fraser) e Evelyn (Bello) gozam de uma aposentadoria chata. Ele se torna um aristocrata com pouco jeito para hobbies prosaicos, enquanto ela se torna escritora, lançando livros baseados nas antigas aventuras de sua família.

Enquanto Alex descobre a tumba do antigo Imperador chinês, Rick e Evelyn são encarregados pelo governo britânico de levar uma relíquia preciosa para a China. Animados por voltarem à ativa, mal os pombinhos sabem que eles e o jovem rebento estão sendo manipulados por um general chinês (Anthony Wong) que deseja ver a volta do poderoso Imperador, crente que este será o homem que restauraria a antiga glória de seu país. A partir daí, os O'Connell reencontram o cunhado Jonathan (John Hannah), arrumam um piloto amalucado (Liam Cunningham) e encaram o surgimento de uma misteriosa guerreira (Isabella Leong), tudo isso enquanto lidam com um novo exército de desmortos.

A ausência de Weisz fez mal para o elenco. Conforme mencionado acima, a trinca de estrelas da série era o que garantia boa parte do charme dos longas anteriores. Por mais que Maria Bello seja uma boa atriz, ela simplesmente não possui a menor química com Brendan Fraser, o que é simplesmente desastroso para o filme. Este, por sua vez, faz o que pode para levar o filme nas costas, mas seu carisma não é o suficiente para sustentar a produção por si só.

John Hannah até que tenta, mas como os roteiristas novatos na franquia não conseguiram acertar o tom de seu personagem, seu Jonathan não chega nem aos pés do carisma de outrora. Para completar, o jovem estreante Luke Ford não tem a menor presença de tela, requisito básico para qualquer "herói de aventura", com suas melhores cenas sendo justamente aquelas ao lado de Fraser, o qual parece emprestar alguma energia para seu companheiro de longa. Aliás, quero saber em que universo Ford pode ser filho de Fraser e Bello… Será que os O'Connell encontraram a fonte da juventude ou algo assim no período entre o segundo e o terceiro filme, ou só foi um péssimo caso de direção de casting?

Do lado asiático, a situação já é um tanto melhor. Jet Li se sai bem como o vilão do filme, pelo menos nos cinco ou dez minutos em que ele aparece em cena sem ser totalmente substituído por um boneco ou criatura digital. A sempre ótima Michelle Yeoh concede alguma respeitabilidade à feiticeira Zi Juan. A bela Isabella Leong se mostra bastante disposta em seu primeiro trabalho em língua inglesa, convencendo como a misteriosa Lin, embora ela ainda apareça um tanto insegura na tela. O veterano Anthony Wong tem o ar de autoridade ideal para o general Yang, estando bastante à vontade no papel.

O roteiro do filme, além de pouco inspirado, não desenvolve bem os poucos conflitos que cria. Um exemplo da falta de criatividade do texto são as óbvias tiradas que permeiam a produção, seja na alternância de disposição do casal principal no seu aristocrático lar, ou nas cenas de batalha nas quais as piadas de Rick se restringem a uma única gag com uma camisa. Não esqueçamos também as aparições dos abomináveis homens das neves (de onde eles vieram mesmo) e do avião que se teleporta, fora o ridículo e patético "gancho" no final da fita.

Rob Cohen, apesar de seu talento para cenas mais pirotécnicas, aqui faz um trabalho sofrível na direção. Concebendo alguns planos simplesmente ridículos (em um certo diálogo entre Rick e Evelyn, a câmera está ridiculamente posicionada), Cohen ignora princípios básicos de como se contar uma história, atropelando fatos e inserindo elipses impossíveis, além de mostrar sua pouca familiaridade com a franquia jamais sabendo conduzir seus atores no tom correto desta. Para piorar, seu senso estético é totalmente datado e destoa completamente da história. Um exemplo disso é a seqüência final, na qual a areia forma o rosto de dois personagens tombados, sendo que esta vem dos ossos de dezenas de soldados mortos, não apenas daqueles dois mostrados.

Enquanto os efeitos que criam os seres fantásticos do longa são acima da média, sua utilização na fita nem tanto. Interessante notar que o diretor e o editor Joel Negron forçaram para colocar toda e qualquer cena que tivesse sido gravada por Jet Li na tela, para ao menos justificar a quase ponta do ator, cujo personagem aparece transfigurado em qualquer outra coisa durante boa parte do filme, limitando muito o tempo de cena de Li.

Contando com uma trilha sonora absolutamente genérica e uma fotografia apenas comum, este "A Múmia – Tumba do Imperador Dragão" tem tudo para jogar a franquia em um sarcófago do qual esta deverá demorar muito para sair – se sair!

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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