Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 16 de dezembro de 2006

Xuxa Gêmeas

Ela não desiste. A "Rainha dos Baixinhos" chega (agora em dose dupla!) com mais um filme no mínimo patético, totalmente mal acabado e descartável como sempre. Talvez até leve alguma diversão para as crianças, só nos resta saber se elas conseguem ser enganadas com tão pouco.

Seguindo uma história bem típica mexicana, "Xuxa Gêmeas" narra a vida de duas irmãs gêmeas (claro!) que foram separadas ainda crianças (de uma forma bastante nonsênsica, por sinal) e que cresceram em ambientes diferentes. Uma delas, Mel, é a moça pobre que vive na periferia e cuida de projetos sociais, levantando recursos para incentivar o talento circense dos seus amigos. A outra, Elizabeth, é a irmã má, herdeira de uma fortuna provinda de um diamante valiosíssimo, mas que está levando a empresa do seu pai à falência, já que não tem o mínimo jeito de administrá-la, e seu pobre pai está péssimo de saúde, incapaz de trabalhar. Como previsível, as duas, representadas pela cantora e apresentadora infantil Xuxa, acabam tendo seus destinos cruzados, e um verdadeiro jogo de interesses financeiros e sociais surge, não só delas, mas também de alguns personagens secundários da trama.

Juro que tentei assistir ao filme centrado no público alvo que ele tem. Resgatei minha essência infantil, meus tempos de programas matinais da Xuxa (claro, fui baixinho; meu irmão mais velho também foi e minha sobrinha também está sendo… nossa, quantas gerações! Ela não vai parar?) e encarar a história como uma simples inocência feita para entreter os pequenos nesta época de férias e fim de ano… até consegui, mas, de repente, veio a tona a maturidade que nós, altinhos, temos e que a senhorita Xuxa já devia ter. Uma coisa é você fazer um filme infantil com um propósito decente, outra é fazer qualquer coisa para encher os cofres já cheios da protagonista. Sem novidades e cheio de clichês, realmente o filme é um fracasso. Do roteiro à direção, este último o ponto que eu mais almejei que pudesse ser "menos ruim", mas não foi. Foi péssimo mesmo! Quase uma amostra de como imbecilizar o público infantil dela, usando de quedas, pancadas e exageros para tentar fazer o público rir. Quando assisto a um filme infantil, a primeira coisa que eu analiso é a reação das crianças, até porque é nelas que o sucesso (ou não!) da película se reflete e, particularmente, vi pouca ovação ou risadas gostosas do público, o que me deixou mais entediado. Nem as pobres crianças se envolveram com a história e acredito que realmente não tenham sido convencidas do enredo.

E que enredo, hum? Nossa, o roteiro construído a dois pares de mãos não mostrou a mínima disposição em usar uma linguagem infanto-juvenil decente, apelando para as mesmices desnecessárias, que foram tão mal empregadas que acabaram prejudicando o talento de grande parte do elenco. Repleto de superficialidade e inutilidade, o filme ainda tenta passar lições de moral, como respeito ao próximo e amor entre pais e filhos, mas tais lições foram tão forçadas que ridicularizavam a situação, como, por exemplo, quando Mel pára o carro que dirige para dar uma bronca em uma mãe que estava brigando com a filha. De total desgosto e inútil na trama. Mel é praticamente a verdadeira Xuxa, aquela que se disfarça de criança para se comunicar com seu público, mas que, devido à idade e à disposição, que já não é a mesma, acaba sendo fotografada como patética. Posta em situações maquiadas como infantis, mas reveladas como idiotas, o roteiro não tem o mínimo de inteligência ou capacidade de captar a atenção do público, nem ao integrar números de circo quando o mesmo já não tem o que falar, o que se torna mais entediante. A irmã má, disposta de uma peruca e maquiagem pesada, tenta convencer que é realmente má, mas não passa de um protótipo exagerado de uma vilã de quinta categoria. E como se não bastasse tudo isso, o roteiro ainda obriga a querida apresentadora a falar determinadas gags imperdoáveis, como confundir o personagem de Maria Clara Gueiros com ela mesma, além de usar seu jargão do programa Zorra Total, aquele "vem cá, eu te conheço?". E mais! Ainda têm a inteligência de mencionar que Alice (Ivete Sangalo) é bastante parecida com Ivete Sangalo, caindo em diálogos absurdos e que tentam aproximar da realidade, mas acabam construindo uma situação bastante constrangedora para quem assiste.

No elenco em sua maioria global, parece que reuniram verdadeiros comediantes (do programa de sábado a noite citado no parágrafo anterior) para tentar mascarar o roteiro falho (ah! Esqueci de dizer que até uma criança de cinco anos faz um roteiro melhor!) como a excelente Maria Clara Gueiros, que poderia ter sido poupada desta produção medíocre, mas que acaba sendo a única coisa boa que o filme promove, já que seu timing para o humor e sua desenvoltura são impagáveis. Fabiana Karla é outra excelente humorista, ridicularizada pelo roteiro e limitada em seu jogo de humor. Murilo Rosa, Márcia Cabrita, Mário Mendonça e Walter Breda são outros nomes que me apiedam profundamente, pelo mal uso de sua figura e de seu histórico audiovisual. A cantora Ivete Sangalo não é atriz, mas é desenrolada e nem faz tão feio. Prejudicada por um sotaque baiano carregado demais, não consegue tanto dar uma particularidade ao seu personagem, acabando por ser invariável. Como já foi dito, Xuxa melhorou muito em termos de atuação nos seus últimos filmes, mas ainda não é o suficiente para fazer dela uma verdadeira atriz.

Jorge Fernando, que também faz uma ponta como ator, dirige o longa sem nenhuma preocupação, abusando de erros absurdos de marcação dos atores, de uma montagem péssima e de mal uso da câmera. Mesmo já tendo dirigido várias novelas e alguns outros projetos televisivos, ainda não pode se dar ao luxo de aparecer mal na fita. Depois de até agradar com "Sexo, Amor e Traição", acredito profundamente na sua facilidade de lidar com o humor, mas acaba perdendo a essência e deixando "Xuxa Gêmeas" escrachado demais, sem um pingo de originalidade. E como se não bastasse uma história ralinha, ainda existem alguns números musicais, feitos por Xuxa e Ivete, que acabam entediando por terem uma condução repetitiva e pelo mal enquadramento do áudio musical com a gesticulação da boca das intérpretes, plastificando a cena e dando sono.

Acredito realmente que o título de "Rainha dos Baixinhos" foi bem empregado à Xuxa, ao mesmo tempo que acredito na consciência pessoal da loira. Podemos perceber que seu estereótipo de programa infantil já não funciona do mesmo jeito que antes e tem levado a emissora a um ataque de nervos. Como se não bastasse, ainda investem em um roteiro mal acabado e pouco convincente, pouco eficaz para mexer com seu público alvo. Talvez falte um pouquinho de maturidade dos produtores em construir um longa-metragem de boa qualidade e que, claro, como os clássicos "Super Xuxa Contra o Baixo Astral" e "Lua de Cristal" (ow… bons tempos!), faça sucesso. Não gosto de dar nota zero justamente por respeito ao trabalho (mesmo que ruim) dos envolvidos. Desta vez, a única estrela que "Xuxa Gêmeas" vai ganhar de mim dedico à Maria Clara Gueiros, a única coisa que valeu a pena durante os muitos minutos de projeção. Mas se, mesmo assim, você ainda quer conferir o longa, vá! Quem sabe seu filho se divirta aqui ou acolá.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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