Cinema com Rapadura

Críticas   sexta-feira, 20 de outubro de 2017

Tempestade – Planeta em Fúria (2017): ambicionou ser grande

Como se fosse uma tempestade em um copo de água, o filme é grandioso apenas no nome, no elenco e no planejamento, mas certamente não na execução.

Mais um filme apocalíptico (ou, a depender do ponto de vista, pós-apocalíptico) com uma mensagem teoricamente edificante sobre a necessária fraternidade entre os povos? Sim, “Tempestade: Planeta em Fúria” é isso sim, porém, tem a virtude de ambicionar ser mais do que isso – até porque a vibe apocalíptica já se exauriu há algum tempo na sétima arte.

O longa se passa em um futuro próximo, no qual o clima do planeta é controlado por um satélite, apelidado como “Dutch Boy”. O criador e coordenador de “Dutch Boy” é o genioso Jake Lawson (Gerard Butler, de “Deuses do Egito”), que precisa se afastar dele por um período. Porém, quando sua obra passa por problemas técnicos, os gestores recorrem a ele para o conserto.

A produção tem um plot nada envolvente e sem originalidade – além, é claro, de previsível. No entanto, o roteiro tem o mérito de tentar criar arcos dramáticos: de Jake com sua família – em especial a relação dele com a filha, esta magoada por ele nunca cumprir suas promessas – e de Max (Jim Sturgess, de “Jogada de Mestre”) com sua namorada Sarah (Abbie Cornish, de “Presságios de um Crime”). Max e Sarah priorizam o trabalho em detrimento do relacionamento sem problemas, até isso virar um problema. Há também o drama entre Jake e Max, irmãos com diferenças tão inconciliáveis que parecem inimigos.

Uma das primeiras cenas já mostra como os dois são opostos: Jake é insubordinado e briguento; Max é pacifista e disciplinado. Apesar disso, existe uma questão de hierarquia e brilho entre eles, algo com que o roteiro brinca ao trabalhar sobre o relacionamento entre irmãos. Quem atinge maior sucesso não necessariamente atinge maior fama. A proposta de reflexão é válida e coerente com o viés pudico do filme.

O script tinha tudo para redundar no apocalipse por si só, contudo, tenta criar um texto mais requintado sobre sabotagem e enigma. Evidentemente, nada foi arquitetado de maneira genial, mas é necessário reconhecer que houve uma tentativa de fazer algo a mais. O que, por outro lado, não dispensou diversos clichês irritantes, como o preconceito contra o oprimido (em relação ao resto do mundo) cidadão estadunidense (o que gera uma piada, é claro, sem graça) e o outro lado da moeda, o brilhantismo que apenas um cidadão estadunidense tem. Os outros países existem na diegese de “Tempestade”, todos, contudo, coadjuvantes.

Embora a premissa da qual o filme parta não seja absurda – em 2019, cidades inteiras seriam destruídas, supostamente como resultado do descuido do homem em relação ao planeta –, o final é escancaradamente inverossímil, uma verdadeira afronta à inteligência do espectador.

Gerard Butler continua sendo o “canastrão” de sempre, no entanto, evitou o overacting dos últimos trabalhos. Jim Sturgess é comumente limitado a duas expressões (alegre e brabo), dessa vez não foi diferente. Abbie Cornish é certamente a pior do cast. Também estão no elenco dois atores bem consolidados na indústria, trabalhando sem fazer esforço algum: Ed Harris (“mãe!”) e Andy Garcia (“Max Steel”). Os nomes menos conhecidos são os que mais brilham, o que indica que os artistas entram facilmente em uma zona de conforto. Alexandra Maria Lara (“Suíte Francesa”) se vira bem no pouco espaço que tem como Ute. Entretanto, quem se destaca mesmo é a inexperiente Zazie Beetz (“Atlanta”) vivendo a hacker Dana: além de uma coadjuvante engraçada e espontânea, sua escalação merece ser enaltecida ao quebrar um estereótipo preconceituoso (dificilmente se imaginaria uma mulher negra para o papel, ao menos em uma produção hollywoodiana).

Em seu primeiro trabalho como diretor de um longa-metragem, Dean Devlin (já experiente em roteiros, como na franquia “Independence Day”) teve como principal acerto o 3D, que, embora não seja extraordinário, é eficiente (muito mais que a maioria). Nas cenas que ocorrem no espaço, há que se reconhecer a enorme decepção: a diferença de efeitos visuais e edição de som em relação a uma obra-prima como “Gravidade”, por exemplo, é gritante (afinal, o parâmetro comparativo deve ser alto). As cenas de catástrofe impressionam muito mais pelo conteúdo do que pelos efeitos – um spoiler leve: é claro que o Rio de Janeiro não ficaria de fora, Hollywood nunca deixa a cidade maravilhosa excluída de um apocalipse. Na ação, a trilha sonora é sempre agitada, mas, garantidamente, os efeitos são obsoletos.

Trata-se de uma produção grandiosa apenas em seu nome (até mesmo no original, “Geostorm”), em seu elenco e em seu planejamento, mas certamente não na sua execução. Como se fosse uma tempestade em um copo de água, ambicionou ser grande.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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