Cinema com Rapadura

Críticas   terça-feira, 03 de outubro de 2017

O Melhor Professor da Minha Vida (2017): pouco cômica e suavemente dramática

Em razão de um plot exageradamente ameno, o resultado também o é, apesar da reflexão de maior calibre proposta pelo roteiro, referente ao sistema de ensino, que muitas vezes é desagregador.

Pitágoras exigia cinco anos de silêncio de seus alunos. Hoje, por outro lado, os alunos e os pais têm todos os direitos, enquanto os professores ficam renegados a ensinar sem poder disciplinar seus estudantes. É com essa premissa que começa a comédia dramática “O Melhor Professor da Minha Vida”, que, na verdade, é uma reflexão sobre o sistema de ensino (na França, mas facilmente aplicável ao Brasil) – pouco cômica e suavemente dramática.

O protagonista é François Foucault (Denis Podalydès, de “Chocolate”), professor de literatura no renomado Henri IV, em Paris. Por circunstâncias inesperadas, Foucault aceita uma transferência para uma escola do interior, onde sabe que a situação é mais complicada, com alunos ainda mais desinteressados pelo estudo.

O nome do longa faz publicidade enganosa, tanto na versão brasileira quanto na original (“Les Grands Esprits”, algo como “As Mentes Grandiosas”). Ao contrário do que parece, Foucault não é um professor genial que muda a vida de um aluno que tem a sorte de conhecê-lo. Apesar da sua vasta experiência, ele é do tipo que expõe os estudantes ao falar a nota de cada um e dizer “seu texto é medíocre” ou “está na hora de pensar em mudar de colégio”, por exemplo – o que, diga-se de passagem, é bastante censurável, não sendo necessária formação pedagógica para afirmar. É verdade que não faz sentido um pai defender seu filho que “colou” em uma avaliação perante um professor que pune o jovem. Porém, sua rigidez é exagerada, seus métodos, opressores.

O ponto de virada está na irmã de Foucault, que propõe o seguinte questionamento (que pode ser ampliado indefinidamente): os alunos não querem aprender ou o professor é que não torna a matéria interessante? E mais: um professor tem a chance de dar o estímulo que pode definir o futuro de seu aluno, já que nem todos têm as mesmas oportunidades. Somente Seydou (vivido pelo jovem Abdoulaye Diallo, iniciando muito bem sua carreira), um aluno que desafia Foucault, consegue mostrar para ele essa triste realidade. Essa e outra, ainda mais triste, que é o status quo cíclico de marginalização de jovens excluídos pelo sistema. O protagonista da película precisou ver isso na prática para entender como tudo funciona. Esse viés desagregador é responsabilidade dos envolvidos que podem fazer a diferença: pais, escolas e professores.

Ensinar é acolher: esse talvez fosse um título mais real para o filme. Inteligentemente, o roteiro coloca um contraponto através de algumas personagens secundárias, no sentido de que talvez seja melhor sacrificar alguns por um bem maior (assistindo ao filme, essa afirmação fica mais clara). Por outro lado, o plot, ainda que tente passar uma mensagem edificante e estimule a reflexão, tem uma narrativa bastante singela e entrega ao protagonista um romance absurdamente artificial, que se justifica apenas para uma piada ao final.

Trata-se de obra autoral de Olivier Ayache-Vidal, responsável pelo roteiro e pela direção, em seu primeiro longa-metragem. Considerando esse fator, sem dúvida, a produção é de ótimo nível. No mercado, porém, há muitas obras superiores. Como diretor, há muito o que melhorar: nesse quesito, apenas dois aspectos chamam a atenção. A direção de arte é razoável, fazendo um bom contraponto entre as escolas. Há uma diferença ontológica inclusive entre os próprios alunos (não só de comportamento), com perfis (e nomes) muito diferentes, do aspecto físico ao vestuário. O cenário também é muito diferente – nesse aspecto, merece menção a breve sequência no Palácio de Versalhes, cuja beleza estética é inigualável. Ainda, a trilha sonora é bem escolhida, com alguns pontos fora da curva – rock (“The Mole Man”, de Schwab) e clássica (“Peer Gynt”, de Edvard Grieg), por exemplo –, mas prevalecendo músicas a partir da década de 1960 (“Perhaps, Perhaps, Perhaps”, de Doris Day), em especial folk (“Those Were The Days”, de Mary Hopkin) e soul (“Who Knows”, de Marion Black, provavelmente o maior destaque, e “100 days, 100 Nights“, de Sharon Jones & The Dap-Kings).

A última virtude da película é a interpretação de Denis Podalydès, cujo humor reside na seriedade da interpretação. Seu François Foucault é engraçado – ainda que longe do hilário, já que a comédia está distante desse patamar – por ser sério mesmo não sendo levado a sério pelos demais, é o humorista por acidente. Entretanto, a comicidade do roteiro é extremamente tímida, causando poucas risadas no público. Da mesma forma, o drama no qual se encaixa o filme é aquela categoria residual, pois o texto não tem a pretensão de comover. Como mencionado, existe uma reflexão de maior calibre no texto, todavia, fica diluída em um plot exageradamente ameno. O resultado não poderia deixar de ser um filme igualmente ameno.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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