Cinema com Rapadura

Críticas   sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Feito na América (2017): Tom Cruise não alcançou o estrelato à toa

Sem Tom Cruise, o filme seria muito inferior. A ele se somam virtudes e defeitos, resultando em um filme meramente razoável.

Star system: o poder de uma estrela no cinema já foi descoberto há muito tempo. “Feito na América” sem Tom Cruise seria outro filme, pois o astro é o que eleva seu nível de fraco para razoável.

O longa conta a história real de Barry Seal, um piloto da Trans World Airlines recrutado pela CIA para realizar trabalhos sigilosos que eram de interesse político do seu país. Esse, porém, era só o início da sua inacreditável jornada, que toma contornos que só não são surreais porque são verídicos.

O filme é, ao mesmo tempo, um relato histórico e uma reflexão sobre a autofagia da ganância. Enquanto relato histórico, tudo começa em 1978, mas fica mais efervescente durante o governo Reagan (que começou em 1981). O serviço solicitado pela CIA é cada vez mais intenso, bem como as atividades paralelas exercidas por Seal. Em 1981, por exemplo, o piloto foi orientado a levar armas para os Contras da Nicarágua: era uma tentativa do governo dos EUA de derrubar o regime sandinista (mais precisamente, o governo da Frente Sandinista de Libertação Nacional), que, evidentemente, lhe era desinteressante. Em síntese, queriam aliados políticos na América Central, o que não poderia acontecer com uma Nicarágua socialista. Assim, o roteiro tem complexidade ao tratar de política, com didática suficiente – o assunto é compreensível para quem o desconhece -, expondo um assunto desconfortável para os próprios estadunidenses.

Além disso, a narrativa é surpreendente e original, o que também é um atributo bastante favorável. Reduzir o plot ao envolvimento do Cartel de Medellín é uma visão simplista: a história de Barry Seal vai muito além de Pablo Escobar. Entretanto, o texto também tem suas falhas, como quando aparece o insano cunhado de Barry (interpretado pelo ótimo Caleb Landry Jones, de “Corra!”), cujo arco dramático é absolutamente previsível.

No que se refere à reflexão sobre a autofagia da ganância, a responsabilidade é de Tom Cruise, que está dedicado e carismático como sempre, mas merece elogios por encarar um papel desafiador depois de muito tempo – o último foi em 2012 (“Rock of Ages”). De lá para cá, Cruise atuou sempre em sua zona de conforto, em produções que privilegiavam seu talento para a ação (já que ele até dispensava dublês na maioria das cenas). E mais: ele era sempre o herói de moral inabalável, o exemplo a ser seguido (vide o Ethan Hunt da franquia “Missão Impossível”). Não são papéis ruins e os filmes não costumam ser ruins (exceto, por exemplo, “A Múmia”), todavia, ficam na mesmice. “Feito na América” é novidade em seu currículo: Barry é o protagonista, mas está longe daquela figura heroica cuja conduta é o norte a ser seguido; ademais, embora exista ação no filme, é consideravelmente menor que nos outros. O piloto não é o “bonzinho” de sempre. E o seu desempenho é impecável. Alguns tiques costumeiros estão lá, mas é seu carisma, aquele que facilita a identificação cinematográfica secundária, que eleva o filme a um patamar acima. É notório seu esforço para fazer um bom trabalho encarnando “o gringo que resolve todas as coisas”, seja com armas, drogas, dinheiro ou qualquer outro serviço clandestino.

No elenco de apoio está Domhnall Gleeson (“Brooklin”), ator que já alcançou status de confiável na indústria – aqui não é diferente. Já Sarah Wright (“Finalmente 18!”) deveria estudar atuação: para ficar ruim, ainda precisa melhorar.

No comando está Doug Liman, responsável pelo recente “Na Mira do Atirador”, que já tinha trabalhado com Cruise em “No Limite do Amanhã”. Em “Feito na América”, em uma mesma sequência, o diretor usa diferentes linguagens: quebra da quarta parede (o protagonista “conversa” com o público de frente com a câmera, narrando fatos) e animação explicativa sobre a Guerra Fria. Isso seria inventividade, não fosse o fato que, exceto pela quebra da quarta parede, não há mais nada criativo na película, ficando solitário o momento de animação. A filmagem é feita com câmera na mão, priorizando planos fechados, com incontáveis movimentos de zoom in, zoom out e panorâmicas, o que, em linguagem cinematográfica, é a metonímia da clandestinidade, trazida para a direção (como se tudo fosse filmado por alguém que estivesse participando dos acontecimentos). Como são muitos fatos para serem resumidos, a montagem é bem dinâmica, com elipses ao som de rock instrumental. Porém, a trilha sonora é variada: de “You Sexy Thing” a um maravilhoso Mozart remixado.

O novo filme de Liman é ambicioso e tem como grande mérito contar uma incrível história real, que possivelmente alguns não gostariam que tivesse sido contada (já que não ocorreu há tanto tempo atrás). A ação é reduzida e o humor reside apenas no incomparável astro Tom Cruise – a direção não tem êxito nessa área, como na cena da prisão de Barry, semelhante à do filme “Férias Frustradas”, ambas sem nenhuma graça. “Feito na América”, se não é uma produção espetacular, também não é ruim, servindo como prova de que Cruise não alcançou o estrelato à toa.

Diogo Rodrigues Manassés
@diogo_rm

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