Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 11 de junho de 2012

Cine Holliúdy (2012): Halder Gomes presta homenagem aos cinemas do Ceará

Halder Gomes adapta seu próprio curta homônimo em um longa que, mesmo tendo alguns problemas técnicos e narrativos, é inegavelmente uma produção divertida e com muito coração.

O cinema é um modo de retratar a identidade cultural de um povo, através de suas crenças, mitos, linguagem, história, princípios e costumes. E é uma pena que, desde a retomada, poucos filmes se utilizaram da riquíssima cultura do Ceará, mesmo que o estado seja um verdadeiro celeiro de atores e cineastas.

Em 2004, o diretor cearense Halder Gomes lançou o divertidíssimo curta “Cine Holiúdy – O Astista Contra o Cabra do Mal”, que brincava com personagens clássicos da Terra do Sol e homenageava os antigos cinemas de rua do interior, que apresentaram a sétima arte a tanta gente. Com o bom retorno, Halder passou alguns anos reunindo recursos para produzir um versão em longa-metragem daquela trama, resultando nesta produção homônima.

O plot é o mesmo do curta, embora expandido e tendo uma influência direta de fitas como “Bye Bye Brasil”, com a decadência dos cinemas fora dos grandes centros após a popularização das televisões. No interior cearense, em meados dos anos 1970, Francisgleydisson (Edmilson Filho) é um pequeno exibidor que luta para manter sua sala aberta, a despeito da chegada das TVs. Após fracassar em uma cidade, ele e sua família se mudam para o município de Pacatuba, onde encontra uma plateia deveras pitoresca para seus filmes.

Em suas desventuras, o protagonista é sempre acompanhado por sua compreensiva esposa Maria das Graças (Miriam Freeland) e o pequeno filho do casal, cujo espírito infantil o torna o perfeito companheiro para o herói. A interação do trio constitui o coração do filme, com os atores tendo uma ótima química e o público sentindo realmente o carinho entre eles.

O Francisgleydisson de Edmilson Filho representa o eterno e criativo sonhador, com sua paixão pelo cinema e sua família sendo os pilares que sustentam seu otimismo e bom humor inabaláveis. Já Freeland não deixa de representar Maria como uma mulher mais pé no chão que seu amado, mas que entende sua vontade em continuar a fazer o que ama.

A população de Pacatuba também gera momentos divertidíssimos, com Halder Gomes explorando muito bem versões cartunescas de figuras típicas do cotidiano cearense. Note-se ainda que alguns desses personagens são vividos por comediantes cearenses bem conhecidos. João Netto, o eterno Zé Modesto, aqui encarna o bêbado da cidade e Falcão faz o cego local.

O visual é efetivo ao recriar o clima de cidade setentista do interior, com cenários bem-acabados e direção de arte efetiva, bem como figurinos que ressaltam as personalidades peculiares de cada um dos habitantes locais. A trilha sonora ressalta o caráter nostálgico da produção, agregando mais um elemento nesta viagem no tempo proposta pela produção.

Infelizmente, nem tudo são flores. A montagem do filme torna a geografia da trama bem confusa em seu inicio, especialmente durante o primeiro ato da projeção. Algumas cenas, mesmo funcionando isoladamente, se mostram claramente deslocadas em relação à trama principal, não tendo nenhuma função na história, o que acaba deixando a narrativa um tanto frouxa, sem ritmo.

Além disso, as legendas que deveriam traduzir o “cearês” para o público surgem em momentos aleatórios da produção e basicamente repetem o que os personagens dizem. Halder ainda parece indeciso quanto a tornar o Prefeito vivido por Roberto Bomtempo em um antagonista cômico, mas acaba colocando-o apenas como mais um da plateia de Francisgleydisson. A despeito de um flerte com uma realidade melancólica, o desfecho do filme força um pouco um final feliz mais fantástico, com um estranho salto temporal.

Entre trancos e barrancos, “Cine Holliúdy” expõe bem a alma, o senso de humor e criatividade do povo cearense, mostrando um Halder Gomes bem mais solto, trabalhando sem as amarras dos produtores. Tecnicamente, é um filme que está longe de ser ideal, mas compensa seus problemas com um coração imenso.  Bem no estilo Francisgleydisson de ser.

Esse filme fez parte da programação do 22º Cine Ceará, em junho de 2012.

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Thiago Siqueira
 é crítico de cinema do CCR e participante fixo do RapaduraCast. Advogado por profissão e cinéfilo por natureza, é membro do CCR desde 2007. Formou-se em cursos de Crítica Cinematográfica e História e Estética do Cinema.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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