Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 06 de março de 2011

Rango

O diretor da franquia "Piratas do Caribe" oferece ao público um delírio visual sem precedentes na animação digital.

Fica difícil criar algo que supere a audiência do seu trabalho anterior quando ele foi construído em cima de um grande elenco e orçamento grandioso. Com a franquia “Piratas do Caribe”, o cineasta americano Gore Verbinski alcançou o ápice da carreira almejada pelos profissionais que sonham com os louros do grande cinema. É difícil imaginar que depois das aventuras de Jack Sparrow o diretor conseguisse algo de maior apelo junto ao público. “Rango”, resultado de seus primeiros passos no cinema de animação digital, carrega os principais elementos responsáveis pelo sucesso de seus filmes anteriores (inclusive o nome do maior astro de alguns deles).

O que se destaca aqui, porém, é a peculiar qualidade técnica obtida por sua equipe. O trabalho de luz e sombras criado pelo grupo de Verbinski é inspirador. Também merece destaque o nível de detalhes elaborado para a construção de cada personagem. A mistura dos dois elementos – a iluminação refletindo nas figuras – supera qualquer exemplar de qualidade produzido anteriormente.

Aqui é pertinente destacar o cuidadoso trabalho de concepção dos personagens que habitam o deserto de Mojave, cenário da trama. Na fronteira entre Estados Unidos e México, no meio de poeira vermelha e solo rachado, alguns animais ergueram um vilarejo usando garrafas velhas e pedaços de madeira. São os lagartos, roedores e pequenos pássaros que dividem seus espaços entre os saloons e casebres do local. Vistos do alto, por um humano desatento, não passariam de bichos comuns. A aproximação de Verbinski revela aos nossos sentidos seres cheios de peculiaridades e traços marcantes.

Entre tantos seres fantásticos, o camaleão protagonista, Rango, parece ser o mais tradicional dos personagens. Os outros animais exibem carcaças ressecadas pelo sol e falta de água. A penugem das aves e o pelo dos mamíferos são tão detalhados que é difícil acreditar que sejam resultado de criações artificiais. Como animais evoluídos, o filme ainda atribuiu características especiais aos bichos, com o cuidado de não fugir do que constituiu a composição biológica de cada um deles. Os traços de civilidade estão bem distribuídos por toda parte, com as roupas rudimentares e as soluções criativas para o arranjo de seus cenários.

A excelência do trabalho artístico visto em “Rango” tornaria desnecessária a consideração de outros elementos que, ao menos aqui, parecem secundários, como o roteiro. Escrita pelo próprio Verbinski, em parceria com outros nomes, a trama oscila entre o infantil e o adulto, não se definindo em nenhum dos polos. Antes de ser uma qualidade, a não seleção de um público alvo prejudica o desenvolvimento da narrativa, perdida entre o humor bobo e as referências maduras que sustentam melhor a história. Uma piada sobre próstata não convive bem com uma cena pueril que seria representada por um palhaço contratado para animar a festa de aniversário do seu filho.

Felizmente, o roteiro é o que menos importa em “Rango”. Se você for um daqueles que consegue distribuir suas atenções entre todos os fatores, esteja certo de que o apuro visual do filme é suficiente para satisfazer seus sentidos. Caso ainda precise de um elemento adicional, a trilha sonora executada por corujas mariachis vai preencher qualquer lacuna deixada pelas falhas narrativas.

Entre tantos recursos surpreendentes, a voz de Johnny Depp passa despercebida. O grande mérito de “Rango” é o espetáculo visual criado para contar a história de bichos empoeirados em um deserto americano. Se seu conceito de animação for seguido por outros criadores, a qualidade da futura safra do cinema digital está garantida. A estreia de Gore Verbinski no cinema de animação não podia ser perfeita, mas ele está quase lá.

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Jáder Santana é estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e crítico de cinema do CCR desde 2009. Experimentou duas outras graduações antes da atual até perceber que 2 + 2 pode ser igual a 5. Agora, prefere perder seu tempo com teorias inúteis sobre a chatice do cinema 3D.

Jader Santana
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