Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

O Discurso do Rei

Uma experiência cinematográfica irretocável.

Diversas características definem um bom líder. Uma delas, talvez a principal, é o poder de persuasão e de comunicação. Não basta ocupar uma posição fundamental na realeza britânica, como é visto em “O Discurso do Rei”. É importante ser o representante do povo e, principalmente, a sua voz. De uma forma requintada, o cineasta Tom Hooper faz deste longa uma experiência cinematográfica marcante para os admiradores de grandes filmes e histórias inesquecíveis.

Na trama, roteirizada por David Seidler, Colin Firth interpreta o Rei George VI, que se vê desafiado a assumir o maior cargo da realeza às vésperas da guerra contra a Alemanha de Hitler. Sem conseguir proferir um discurso simples para a sua nação, devido a uma gagueira crônica que o atinge desde criança, George precisa literalmente aprender a falar. Auxiliado pela Rainha Elizabeth, interpretada por Helena Bonham Carter, George passa a ser atendido pelo excêntrico médico Lionel Logue, vivido por Geoffrey Rush. A partir de então, os três passam a conviver na expectativa da cura para a gagueira.

Com uma trama simples, mas esteticamente irretocável e envolvente, “O Discurso do Rei” justifica em seus primeiros dez minutos a grandiosidade de sua produção. O diretor Tom Hooper parece ter planejado os mínimos detalhes de cada sequência, sabendo como aproveitar não somente o talento de cada ator do elenco, mas principalmente as alternativas técnicas de sua equipe. A fotografia, talvez a mais marcante, investe em enquadramentos aparentemente mais clássicos e aproveita os cenários e direção de arte para compor imagens belíssimas.

Acompanhado de uma trilha sonora discreta de Alexandre Desplat, o longa ganha proporções gigantescas à medida que o objetivo de seu herói passa a ser conquistado. É possível acompanhar aos poucos a pressão não somente em aprender a falar, mas principalmente que é imposta pela realeza britânica. Pouco justificando o motivo da gagueira de George, se é que existe algum, o que podemos pensar facilmente é como a educação rígida da realeza deve interferir na construção dos futuros herdeiros criando certo tipo de trauma e responsabilidade.

Para que uma história simples pudesse conquistar os críticos mundiais, um elenco refinado também seria necessário. Após a desistência de Paul Bettany (ele se arrepende até hoje), o sempre correto Colin Firth interpreta o rei George de uma forma magistral. Sem nunca soar forçada, sua gagueira deixa o público aflito e na torcida de que ele possa, então, se curar e representar sua nação. Não é à toa que Firth está vencendo todos os prêmios por sua atuação no longa. Ao lado dele, Helena Bonham Carter esconde sua faceta maluca e se entrega a um personagem determinado, sensível e de humor sutil, mostrando que possui carga dramática para personagens mais sinceros.

Junto a essas duas grandes atuações, temos o experiente Geoffrey Rush, que está um monstro como o curandeiro do rei. Rush é ousado por si só e neste longa ele se afasta de qualquer estereótipo e dança de sequência em sequência consolidando sua carreira maravilhosa. Ele é a alma de “O Discurso do Rei”, catalisando os objetivos do protagonista e proporcionando a Firth momentos peculiares durante a trama. Rush está cínico, mas não deixa se der firme e coerente. Na cena em que ele se apossa na cadeira da majestade, ele se estabelece como o grande rei do longa.

É de se assustar quando um filme que foi pouco falado antes das premiações começa a levar todos os troféus para casa. No começo, não há como saber se ele é favorito por ser mesmo uma boa produção ou por interesses diversos, o que nos deixa curioso para saber se é realmente bom. “O Discurso do Rei” é o grande filme do ano e, ainda que concorra ao Oscar com outros filmes de níveis elevados como “Cisne Negro”, “A Rede Social” e “A Origem”, será muito difícil tirarem o reinado de um filme que nasceu para brilhar.

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Diego Benevides é editor geral, crítico e colunista do CCR. Jornalista graduado pela Universidade de Fortaleza (Unifor), atualmente é pós-graduando em Assessoria de Comunicação e estudioso em Cinema e Audiovisual. Desde 2006 integra a equipe do portal, onde aprendeu a gostar de tudo um pouco. A desgostar também.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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