Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 07 de novembro de 2010

Scott Pilgrim Contra o Mundo

Insano, barulhento, acelerado. Este filme é uma festa para os olhos daqueles que buscam mais vida e atitude no cinema moderno.

“Scott Pilgrim Contra o Mundo” pode ser considerado um filme destinado para um público específico. Talvez o longa seja demais para aqueles acostumados a uma história mais linear e, fatidicamente comum, fato que explica a fria recepção lá fora. Baseado na aclamada graphic novel de Bryan Lee O’Malley, o filme conta a história de Scott Pilgrim, baixista arrasador, conquistador nato e exímio lutador. Depois de idas e vindas de sua vida amorosa, ele parece ter encontrado a garota de seus sonhos (literalmente).

Ramona Flowers é tudo aquilo que um rapaz descolado quer: misteriosa, independente, espontânea e cheia de atitude, o único problema são suas cicatrizes de guerra, ou seja, seu passado amoroso, constituído mais especificamente de sete ex-namorados do mal, todos empenhados em destruir seus relacionamentos (novamente, literalmente). Fica então a cargo de Scott defender sua posição e assim derrotar esta liga barra pesada, para no final ter o caminho livre com Ramona.

Primeiramente é importante frisar, para os fãs da graphic novel, que muita coisa foi transformada. Algumas com um resultado muito positivo, outras nem tanto.  Seguindo praticamente ao pé da letra o primeiro volume “Precious Little Life” (fundamental por explorar o início do relacionamento de Scott e Ramona), o texto acaba dando aquela embolada básica em todo resto. Tendo 112 minutos de projeção, com uma hora de filme Scott acabou de enfrentar Lucas Lee, o que exemplifica um pouco como o filme teve de correr com sua finalização. Mas no geral, o roteiro de Michael Bacall e do diretor Edgar Wrigth funciona bem. Ainda assim, o longa não é perfeito, pois após o primeiro ato impecável, a trama dá uma pequena caída no rendimento, mas suas soluções acabam sendo de bom gosto até o desfecho.

Mas com certeza o grande diferencial da obra é a parte técnica. A direção de Wright é eletrizante. Tendo os excelentes “Todo Mundo Quase Morto” e “Chumbo Grosso” em seu currículo, o inglês eleva à quinta essência o apuro visual, muito diferente da obra original, que opta por um estilo mais cult, todo em preto e branco. Utilizando de efeitos fantásticos, o quesito “game” é realmente debulhado de todas as maneiras possíveis. Juntamente a isso, onomatopeias saltam freneticamente em todos os sons, transformando tudo em uma grande HQ. É a união perfeita entre duas vertentes que nunca haviam sido exploradas de forma tão enfática até hoje. Ainda com muita criatividade, diversos outros elementos pop são inseridos de forma inusitada, como uma homenagem ao seriado “Seinfield”, simplesmente perfeita, a vinheta da Universal em “8bits” também arrasa, ou mesmo toda a parte musical que, apesar de não ter as mesmas letras e possuir mais de três notas (diferentemente da HQ), funciona de forma excepcional. Punk rock misturado com british rock, uma doidera só.

A edição e a montagem rápidas e insanas, herança do cinema inglês de Guy Ritchie, aqui é reinventada. Sendo parte fundamental do êxito visual, suas passagens e cortes bruscos dão a continuidade frenética e muitas vezes não linear do filme. Muita qualidade também na direção de arte, onde as cores ganham vida de forma incrível. Trilha sonora contagiante, efeitos especiais inesquecíveis. O filme se sai bem em todos os quesitos.

O time de atores também é destaque. Michael Cera foi a escolha certa para o papel principal. Com cara de nerd, franzinho e com um timing para comédia diferenciado, seu Scott tem o carisma necessário para conquistar o público. Ele trabalha muito bem todos os dilemas reais de uma geração, se tornando assim um símbolo de fácil associação. Mary Elizabeth Winstead também se sai bem como Ramona. Além de parecer muito com a figura da HQ, sua seriedade contrasta paralelamente com seu charme, e sua busca por um relacionamento verdadeiro se torna uma motivação perspicaz, mediante ao público que busca atingir. Não menos importante, e se destacando dos demais, temos Ellen Wong como a perseguidora apaixonada de Scott, Knives Chau. A atriz imprime trejeitos irresistíveis para a personagem, passeando facilmente entre a menina meiga e a louca varrida. Já entre os amigos de banda de Scott temos Alison Pill como a durona e hilária baterista Kim Pine, Mark Webber é o talento paranóico Stephen Stills, e Johnny Simmons é o sonso boa gente Young Neil, também com um humor de qualidade, chamando a atenção.

No time dos vilões estão nomes de peso como Chris Evans, interpretando o mala Lucas Lee, Brandon Routh como o poderoso vegano Todd Ingram, e o excelente Jason Scwartzman aparece influente como Gideon Graves. Outros destaques são Kieran Culkin como o impagável gay descolado Wallace Wells (roubando a cena), Anna Kendrick interpreta a irmã fofoqueira Stacey Pilgrim, Brie Larson é a sedutora Envy Adams e Aubrey Plaza faz a desbocada Julie Powers. Um time de peso. Diversos personagens que incrivelmente são todos bem explorados, na medida do possível.

“Scott Pilgrim Contra o Mundo” adapta sua história de forma respeitável. Apesar de comprimir muito coisa, a obra se fortalece nos detalhes, em todo o apuro visual, na direção perfeita de Edgar Wright, e nas interpretações eficientes de seus atores, uma pequena obra prima cult. Com suas influências calcadas no mangá, nos games vintage (com suas moedinhas e tudo mais) e no mundo musical frenético, a obra tem tudo para atrair os jovens brasileiros. Embora tenha sido recebido de forma pouco positiva mundo a fora, o filme com certeza tem um valor inestimável para aqueles que buscam algo diferente em meio à normalidade muitas vezes cansativa dos blockbusters em geral.

Ronaldo D`Arcadia
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