Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 19 de junho de 2010

Em Busca de Uma Nova Chance

Drama familiar erra justamente por não acreditar no potencial dramático de uma história simples.

Histórias de morte e tentativas frustradas de superação de luto quase sempre são argumentos suficientes para a construção de um bom filme. Desde que colocadas nas mãos de um diretor competente e representadas por um time de atores com veias dramáticas, tais demonstrações de fraqueza humana garantem um filme denso e que permanece na mente do público por um bom tempo após sua exibição.

“Em Busca de uma Nova Chance”, drama que aborda a fragilidade de uma típica estrutura familiar americana, acompanha os nove meses posteriores à morte de Bennett (Aaron Johnson), filho de um casal de classe média (Pierce Brosnan e Susan Sarandon), após sofrer um acidente de carro. Enquanto tenta superar a perda, o casal e o filho mais novo (Johnny Simmons) recebem a visita de uma adolescente de 18 anos (Carey Mulligan), que afirma estar grávida há 3 meses. O pai, claro, não poderia ser outra pessoa além do jovem falecido.

Rose chega de surpresa e imediatamente é colocada dentro do seio familiar, já suficientemente abalado pela morte recente. A mãe não consegue aceitar a ausência de lágrimas do marido, que como forma de diminuir seu próprio sofrimento preferiu apagar referências ao filho e vive para esperar a recuperação do outro jovem envolvido no acidente, na esperança de que ele possa revelar as últimas palavras do filho. O irmão mais novo transita entre crises de abuso no uso de drogas e sessões de ajuda para pessoas que sofreram perdas recentes. Um neto e uma nora não eram exatamente o que o casal esperava.

Sarandon e Mulligan são os maiores êxitos de um filme que se perde na tentativa de emocionar. O tema abordado já é suficientemente forte e os excessos do roteiro não se encaixam na sensibilidade da trama. Mesmo assim, algumas cenas – as mais simples – conseguem transmitir ao público parte do desespero mórbido a que os personagens estão entregues. Preste atenção na sequência posterior à exibição dos créditos iniciais, quando um profundo silêncio, que dura alguns minutos, com uma câmera estática dentro de um carro em movimento, acompanha o retorno da família do velório para casa. É o ponto alto do filme.

O roteiro, aliás, foi escrito pela também diretora Shana Feste e marca sua estreia nos grandes circuitos comerciais. Apesar de novata, a americana de 34 anos nos brinda com uma direção segura e competente. Embora algumas tomadas e opções de enquadramento sejam interessantes e ajudem a criar o clima que permeia a história, a maior parte do seu trabalho se resume ao básico, e fica clara sua pouca disposição para maiores ousadias técnicas.

O roteiro, como já  foi dito, peca pelo exagero de situações. A sensação que fica após algumas sequências é a de que a roteirista tenta guiar as emoções do espectador e selecionar os melhores momentos para que ele derrame suas lágrimas. Se bem construída, a narrativa não precisaria de cenas específicas que fizessem aflorar os sentimentos do público. O argumento principal já seria suficiente para isso.

Pierce Brosnan é  mais uma ferramenta colocada à disposição da direção na tarefa de exagerar. Suas expressões não conseguem acompanhar o sofrimento silencioso que o personagem exige e sua atuação acaba fazendo o papel parecer, muitas vezes, desvinculado do núcleo familiar. Quando sai desse estado de dormência, o ator cai no outro extremo, e a partir de então assistimos ao estranho processo de transformação do personagem: de exemplar da frieza tornou-se o pai descompensado (que mesmo assim não derrama nenhuma lágrima).

A opção por uma trilha sonora leve e sem traços de morbidez quebra o clima de excessos e também merece destaque. Canções do universo country e folk ganham espaço ao lado de sonoridades mais recentes, com batidas ágeis e características de um rock atual. Aqui percebemos o poder da música na tarefa de disfarçar uma atmosfera forçosamente dramática.

Se analisado ao lado de outros filmes que abordam a mesma temática, como o polêmico “Anticristo”, que chocou o público em 2009 por suas cenas viscerais de degradação humana, “Em Busca de uma Nova Chance” é, sem dúvidas, menos convincente. Apesar de apostar em reações extremas, o filme de Lars Von Trier construiu cuidadosamente cada passo que culminaria em seus excessos. O filme de Shana Feste está mais para “Vida que Segue”, filme de 2002, também com Susan Sarandon. Ambos são exemplos do que funcionaria melhor se as emoções do público não fossem guiadas e pudessem fluir livremente.

Jader Santana
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