Cinema com Rapadura

Notícias   sexta-feira, 19 de abril de 2024

[ENTREVISTA] Guerra Civil | “É um conflito que pode ser evitado”, diz Wagner Moura sobre seu novo filme

O novo filme do cineasta Alex Garland já está em cartaz nos cinemas brasileiros.

[ENTREVISTA] Guerra Civil | “É um conflito que pode ser evitado”, diz Wagner Moura sobre seu novo filme>

Em tempos de desacordo, nada é mais fundamental do que ouvir. Pelo menos essa é a mensagem de “Guerra Civil“, novo filme do diretor e roteirista britânico Alex Garland. É o primeiro filme da produtora A24 com ares de superprodução, e não há forma melhor de fazer jus a essa ideia do que ter em seu elenco nomes como Kirsten Dunst, Cailee Spaeny, Stephen McKinley Henderson e Wagner Moura – este em uma atuação aclamadíssima pela mídia estadunidense. À convite da Diamond Films, o Cinema Com Rapadura sentou com Wagner – nordestino como nosso site – para conversar sobre “Guerra Civil”, as polêmicas ao redor do filme e o trabalho com um cineasta tão inovador como Alex Garland.

O filme acompanha a jornada de quatro jornalistas de Nova York à capital Washington, onde Joel (Moura) espera obter a última entrevista do presidente dos EUA (Nick Offerman) antes de ser deposto. Já Lee (Dunst), experiente fotógrafa de guerra, busca obter as primeiras imagens do novo país que surgir após a queda do presidente. Junto a eles estão o cauteloso veterano Sammy (Henderson) e a enérgica novata Jessie, também fã do trabalho de Lee.

>> Confira a entrevista completa em nossas redes

Uma das principais críticas a “Guerra Civil” vêm de uma ideia de que seria um filme “bagunçado”. De fato, muito do contexto de mundo é deixado de lado propositalmente. Mas, para Wagner Moura, não há necessidade de se esclarecer tudo quando a mensagem do filme é tão simples.

Engraçado, isso é muito interessante, porque a gente leu e, conversando com Cailee, Kirsten e Stephen, todos nós tivemos a mesma leitura. A gente leu e a gente entendeu o que ele [Garland] queria. Se esse é um filme que denuncia a polarização como ameaça à democracia, esse não é um filme que explicaria como foi que a guerra começou. Até porque nenhum filme de guerra explica, né? Você nunca vê um filme de guerra que dissesse: “Olha, assim começou a guerra.” Todos têm uma tropa americana no Iraque, no Vietnã, na Coreia, no Afeganistão… Nunca tem uma explicação. Eu entendo que os americanos meio que esperavam algo assim porque é guerra civil, e eles vivem essa onda de polarização lá. Mas é um filme que não tem uma agenda ideológica. É um filme político, claro. Mas é um filme que está dizendo: “Olha só, a polarização é hoje um grande perigo.” Não digo que vá levar uma guerra civil, mas é um conflito social que pode ser evitado. Se a gente começa ra erguer mais pontes entre nós.

Mesmo durante o filme, Garland pinta uma imagem tão certeira (e propositalmente confusa) do que seria uma guerra civil no contexto atual, que é fácil taxar o filme como “apolítico” ou até “chapa branca”. Muitas vezes temos que prestar muita atenção no que está no subtexto para compreender o que acontece. Moura, um ator conhecido por sua articulação e engajamento político a ponto de dirigir um filme sobre a vida do militante brasileiro Carlos Marighella, discorda de tais taxações, mas acredita que a interpretação do espectador é parte da experiência:

Eu discordo completamente. Eu acho que, por exemplo, “Marighella”. Tanto “Guerra Civil”, quanto “Marighella” são dois filmes políticos. Mas “Marighella” é um filme que trata de um contexto histórico. O ponto de vista do “Marighella” é o ponto de vista dos revolucionários que lutaram contra a ditadura. No ponto de vista de “Guerra Civil”, são jornalistas que têm como natureza ser imparciais, ouvirem os dois lados. Há falas no filme que dizem. Nossa função é reportar para que as outras pessoas tirem suas conclusões. 

Em “Guerra Civil”, Moura interpreta um jornalista pela segunda vez em pouco tempo – a primeira sendo na série “Iluminadas“, do Apple TV+. Pois ele também chegou a estudar jornalismo na faculdade, e comenta o quanto sua experiência no ramo o ajudou a compor o papel de Joel:

Eu tinha feito um jornalista antes em uma série chamada “Iluminadas”, e acho que ali isso me ajudou muito. Nesse filme, menos. O jornalismo de guerra é um negócio muito louco e muito diferente. A maioria dos meus amigos são jornalistas em Salvador. Mas eu nunca conheci um jornalista de guerra pessoalmente. Eu comecei a pesquisar e conversar com eles por causa do filme. O meu background ajuda de alguma maneira, mas estava tudo alí, no roteiro. O cara escreve muito bem. No roteiro, ele constrói os personagens e a dinâmica deles, como cada um é. Estava muito claro, muito fácil para o ator.

O cineasta Alex Garland tem uma carreira extensa desde os anos 2000. São dele filmes como “Ex Machina – Instinto Artificial“, “Aniquilação” e a série “Devs“, do FX. Na maioria de suas obras, Garland recruta um mesmo círculo de atores, muitos dos quais estão de volta em “Guerra Civil” – Cailee Spaeny, Stephen McKinley Henderson, Sonoya Mizuno, Nick Offerman, entre outros. Wagner Moura e Kirsten Dunst são os “novatos”, por assim dizer. Se fica no Brasil a torcida para que ele entre de vez para o “clube” de Garland, o próprio Wagner comenta que faria o mesmo como diretor:

É interessante, porque tem a Cailee, tem o Stephen, tem os dois jornalistas de guerra, a Sonoya… Os dois snipers, também, que estão em “Devs”… Eu acho o máximo. Adoro diretores que têm uma galera, Se eu pudesse, o próximo filme que eu fizer, colocaria o elenco todo do “Marighella”. [risos] Acho bonito. Se você gosta de trabalhar com uma galera, você quer continuar. Mas a Kirsten também nunca tinha  trabalhado com ele. Foi? Não foi como se eu estivesse entrando num clube. A gente se deu muito bem, os atores. Éramos nós quatro naquele carro, e a gente passa 70% do filme dentro do carro, então a gente se deu muito bem. Apesar de ser um filme pesado, a gente se divertiu, foi muito bom. A gente criou uma amizade, são boas pessoas, todos eles.

Em alemão, “zeitgeist” é o termo que defini o “espírito do tempo”, a definição da vida em geral um período histórico. O zeitgeist atual é complexo e marcado por divisões e contradições políticas e sociais, algo que, segundo Wagner, poucas obras abordam como “Guerra Civil”:

A realidade do mundo, né? Poucos projetos que eu fiz captaram tão bem o chamado “zeitgeist”, o espírito do tempo, do que esse filme. Essa explicação que as pessoas ficam procurando, eu não entendo o que mais eles querem que explique, porque senão… A gente vive um momento de conflito, o momento de que tem dois lados. Um lado odeia o outro, um lado cria narrativas loucas sobre o outro, não se conversam… É muito claro. E que essa divisão pode levar a uma situação perigosa. Poucas vezes fiz uma coisa em que a realidade estivesse tão presente no momento da filmagem.

Novamente, em tempos de divisão, o melhor a fazer é estar aberto a ouvir o outro lado antes de mais nada. Em “Guerra Civil”, Wagner Moura interpreta o repórter Joel, mas é a fotógrafa Lee, de Kirsten Dunst, que melhor define a frustração em relação a como as pessoas se comunicam atualmente ao mencionar passou a carreira inteira alertando o mundo sobre o perigo que guerras representam, apenas para ver uma eclodir em seu próprio país. Mas Wagner acha que ainda há como evitar que o cenário de “Guerra Civil” possa eventualmente se concretizar:

Acho. Eu espero mais do que eu acho. Gosto muito do fato de esse ser um filme sobre jornalismo. Eu tenho muita preocupação com relação ao momento do jornalismo no mundo e o descrédito pelo qual os jornalistas têm vivido e passado no mundo inteiro. E acho que é o momento de se criar pontes, de se comunicar mais. Nós, como cidadãos, começar a ouvir mais as pessoas que pensam diferente de nós, e não esquecer nunca que… Eu sei que parece uma coisa meio clichê, mas nós somos todos seres humanos. Todo mundo teve pai, teve mãe… Mais do que nunca. “Marighella”, por exemplo, foi um filme de contestação. Compramos briga com o governo Bolsonaro e tudo mais, então a gente precisava daquilo. Hoje, eu penso que está na hora de a gente comerçar a ouvir mais o outro, mesmo. Claro, não vou sentar para conversar com um nazista ou alguma coisa louca dessas. Mas se uma pessoa pensa que o Estado deve gerir as coisas de um jeito diferente do que eu penso, por que eu teria que odiar? Criar uma narrativa, fake news… É um negócio bizarro, né. Então acho que está na hora de a gente se comunicar mais. Talvez ouvir mais do que falar. E eu adoraria que o jornalismo restaurasse sua importância como pilar fundamental da democracia, porque é.

“Guerra Civil” está em cartaz em todo o Brasil.

>> Leia nossa crítica de “Guerra Civil”

Saiba Mais: , ,

Julio Bardini
@juliob09

Compartilhe

Saiba mais sobre


Notícias Relacionadas