Vencedor do Cine PE, doc de Jorge Furtado discute o jornalismo brasileiro
Política, deboche e humor se juntam em novo documentário do cineasta gaúcho.
O cineasta Jorge Furtado (“Meu Tio Matou um Cara”) desistiu da medicina, passou pelo jornalismo e acabou fazendo cinema em Porto Alegre (RS). Em sua extensa trajetória, transitou em diferentes histórias e formatos, desde o aclamado documentário “Ilha das Flores” (1990) até a comédia ficcional “Saneamento Básico – O Filme”. Em comum estão o brilhantismo narrativo e a curiosidade pelos personagens que constrói ou entrevista.
Em “O Mercado de Notícias”, longa que venceu a Mostra Competitiva de Longas Documentários Internacionais do 18º Cine PE Festival do Audiovisual, Furtado se arrisca a desvendar os mecanismos para o bom jornalismo, questionando pontos como credibilidade, ética e sobrevivência da profissão na era da internet.
A partir da peça homônima do inglês Ben Johnson, escrita em 1625 e que continua bastante atual, Furtado intercala os depoimentos com a própria montagem teatral, além de expor casos de vexame da imprensa brasileira. O diretor escolheu 13 jornalistas para falar sobre o funcionamento da mídia, as relações editoriais e comerciais, a investigação dos fatos e a sobrevivência da profissão em tempos de internet. Enquanto fala de política, Furtado investe no tom cômico para dar respiração entre os longos discursos sobre ética e profissionalismo, o que levantou o público do Cine PE e certamente conquistou o júri oficial da premiação.
“Passei três anos para traduzir a peça. Os jornalistas convidados receberam o material e eu fiz um guia sobre o que eu queria conversar com eles. O filme pretende discutir o jornalismo. Eu gosto de notícia, não sei viver sem ler jornal e percebi que o jornalismo está em transformação. A invenção da internet mudou muita coisa. A imprensa conseguia formar um consenso e isso mudou totalmente”, conta o cineasta.
A escolha dos personagens foi bastante pessoal, contemplando veículos de comunicação importantes a nível nacional. Um dos méritos de “O Mercado de Notícias” é justamente conseguir falar sobre política com propriedade e um pouco de deboche, principalmente ao reviver casos eleitorais como o da bolinha de papel de José Serra. Outras gafes da imprensa, como o caso do Picasso falso do INSS e a polêmica envolvendo a Escola Base, também ganham espaço.
“Sou meio comediante e faço muita comédia. A peça do Johnson é uma comédia, até por nomear seus personagens de Censura e Expectativa, por exemplo. Além de conduzir as entrevistas, a peça também dá um alívio cômico. A comédia é uma tragédia do lado avesso que tem uma reflexão”, afirma.
O documentário segue uma linha esquerdista, sem deixar passar o assédio da imprensa nos governos Lula e Dilma. Segundo Furtado, o longa teve um viés mais governista do que ele queria, porém acredita que a proposta foi alcançada. O diretor reconhece que um filme que critica a imprensa, responsável por criticar filmes, pode atrapalhar a cobertura jornalística quando for lançado em circuito, mas não é uma preocupação imediata. Furtado acredita que hoje a própria internet pode contemplar mais exibições e dar visibilidade ao longa. Junto com o filme, o gaúcho lançou um site para reunir a pesquisa realizada para o desenvolvimento da produção.
“O Mercado de Notícias” venceu o Troféu Calunga de melhor filme pelo júri oficial e pelo júri popular. A categoria também premiou o documentário português “E Agora? Lembra-me”, de Joaquim Pinto, com melhor direção, e concedeu menção honrosa a “Corbiniano”, de Cezar Maia. O 18º Cine PE Festival do Audiovisual continua em cartaz até sexta-feira (02), quando serão anunciados os longas ficcionais vencedores do ano.
O Cinema com Rapadura está em Recife/Olinda a convite do 18º Cine PE Festival do Audiovisual.
Saiba Mais: Cine PE 2014, Jorge Furtado