Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 14 de julho de 2007

Harry Potter e a Ordem da Fênix (2007): emocionante e vibrante

O quinto filme de uma das franquias mais pops dos últimos tempos chega para consolidar a forma de fazer filme do gênero, mexendo com todas as emoções do espectador. “Harry Potter e a Ordem da Fênix” atinge a maturidade em vários quesitos, fazendo com que simples erros sejam deixados de lado. Certamente os fãs agradecem e ficam com um gostinho de quero mais ao fim da sessão.

Hogwarts já não é a mesma. O sol que, anteriormente, embelezava o céu azul do mundo mágico cheio de seres estranhos e aprendizes de bruxos, já se esconde atrás das montanhas mais distantes. A constante névoa escurece o castelo que, agora mais do que nunca, não está seguro (algum dia já esteve?). Dumbledore e sua escola parecem estar esperando a qualquer minuto o início de uma batalha que, certamente, não terá hora para terminar. Antes de iniciar o quinto ano de estudos e ver com os próprios olhos que Hogwarts não passa mais aquelas segurança e receptividade de antes, Harry Potter desfruta da solidão de sempre que ataca suas férias anuais. Sempre desrespeitado pela família de tios trouxas, o bruxo acaba se deparando com uma esquisita mudança de tempo, enquanto discutia com o primo Duda. Durante a fuga, os dois vão parar em um túnel, que é invadido por dois dementadores que os fazem de refém. Ameaçados de morte, Harry solta o feitiço do patrono e se livra das aberrações, recebendo a ajuda da Sra. Figg para rebocar Duda para casa, que estava em choque.

Ao chegar em casa, Harry é ameaçado pelos tios após Duda dedurar que ele tinha causado tal perturbação. Como se não bastasse, o protagonista recebe uma carta do Ministério da Magia informando que ele fora expulso de Hogwarts por não ter a idade permitida para usar magia, principalmente na frente dos trouxas. Sem saber o que fazer, Harry acaba sendo resgatado por uma trupe de bruxos, composta pelos conhecidos professores Quim e Moody, além da exótica Tonks. O grupo vai parar em uma sede conhecida como a Ordem da Fênix, onde Harry encontra a família Weasley, os amigos Rony e Hermione, além de outros rostos conhecidos, como o do seu padrinho Sirius Black. Lá, o garoto fica sabendo que o Ministro da Magia, Cornelius Fudge, está usando seu poder para abnegar que Lord Voldemort teria voltado a atormentar o mundo bruxo, fato este a ser defendido por Harry e Dumbledore. Logo, Harry estaria frente a frente com Fudge para um julgamento sobre o acontecimento com os dementadores, no qual é absolvido pela maioria dos votos.

De volta a Hogwarts, uma das surpresas é a mudança do professor de Defesa Contra a Arte das Trevas, indicada por Fudge, agora ficando a cargo da “rosada” Professora Dolores Umbridge. Sendo uma das que duvidam da volta de Voldemort, a professora afirma que sua metodologia de ensino será apenas teórica, fazendo com que os bruxos deixem de lado as varinhas e façam apenas os testes finais. Ameaçados por um ataque a qualquer momento de seres do mal, Harry e seus amigos resolvem montar um grupo para treinar a disciplina de forma prática, ficando preparados para qualquer evento. É aí que Harry assume o comando do grupo e passa a ensinar feitiços para os bruxos mais inexperientes, como Gina Weasley, Cho Chang e Luna Lovegood, no que foi intitulado Armada de Dumbledore. Enquanto isso, Dolores Umbridge aplica disciplinas severas em Hogwarts, chegando a tomar a direção de Dumbledore. Os heróis terão que lidar com todos esses contratempos que parecem não ser nada fáceis de resolver.

A franquia Harry Potter tem um quê de fascínio que conquistou (e ainda conquista) milhões de admiradores no mundo todo. Desde que o primeiro volume, “A Pedra Filosofal”, foi lançado nas prateleiras das livrarias, o fenômeno se espalhou como água. Logo, a Warner Bros. abriu os olhos para levar a história do aspirante a bruxo aos cinemas, garantindo, caso tivesse bom resultado, uma série de sete filmes, já que a autora da saga, a britânica J.K. Rowling havia prometido uma septologia para a história de Harry Potter. Seriam sete anos de estudos e amadurecimento não só como bruxo, mas também em questões pessoais. Entretanto, é bom ressaltar que um dos fatos mais interessantes é que o amadurecimento que atingiria os personagens no decorrer dos anos, também acaba sendo paralelo ao que atinge os leitores. O que vemos atualmente é um número crescente de adolescentes sendo mais fãs de Harry Potter do que crianças, justamente pelo fato de terem sido envolvidas com a história quando aqueles eram mais jovens. A curiosidade continuou incitada e a febre não passou. É bem diferente de hoje um pai comprar o conjunto de livros ou filmes e fazer com que uma criança de dez anos veja tudo e consiga entender o crescimento da história. Claro que, neste caso, entenderá em partes, mas não terá feito parte de uma cultura(!) que envolve “n” coisas para funcionar do jeito que fora planejado.

Nos dois primeiros filmes e livros, o que é notável é aquele sentimento de descoberta de um mundo mágico que, certamente, muitos gostariam de conhecer. Quem, por exemplo, não gostaria de sair por aí soltando Reductos em várias pessoas? Chris Columbus fez nos dois primeiros filmes um ensaio de um mundo que, mesmo ameaçado por aberrações, estava ali para proteger e mostrar um pôr-do-sol bonito a cada fim de dia. No terceiro filme, “O Prisioneiro de Azkaban”, Alfonso Cuarón, injustamente criticado por alguns fãs, começa a mostrar uma imensidão sem limites para o desenvolvimento da história. Cuarón conseguiu estabelecer metas não só de roteiro, mas também de visual e de crescimento dos personagens, que pode ser vista nos filmes seguintes. Cuarón foi o primeiro a aderir a uma filosofia que iria interfeor não somente na história, mas também em relação à direção de atores. Os personagens principais começaram a passar mais segurança de seus papéis e até a melhorar a atuação após o dedo do diretor. No quarto filme, a trama deixa a entender que, desta vez, tempos ruins em Hogwarts realmente estão por vir. No quinto, muito do que foi reclamado das outras películas foi consertado e está digno a aplausos.

Uma semelhança dos filmes citados acima é, de certa forma, uma redundância ao se falar de Harry Potter. Não adianta esperar que todos os detalhes dos livros consigam estar presentes nos longas e isso continuará acontecendo nos dois últimos que virão por aí. Em “A Ordem da Fênix”, já era de se imaginar que grande parte da história passasse por uma peneira para se encaixar em um filme de duas horas e dezoito minutos. Seria ingenuidade analisar o nível da adaptação, percebendo que nunca será satisfatória ao extremo. Vale ressaltar que isso não é só para Harry Potter, mas para qualquer outro filme adaptado. De qualquer forma, o que vai reger a produção cinematográfica é justamente a capacidade de desenvolvimento do enredo e da linearidade que basta para o entendimento, seja de quem leu a obra, ou dos que apenas gostam dos filmes. Neste quinto filme, David Yates controla com mãos de ferro uma história que mexe com o público em diversos âmbitos, desde toques de humor, até momentos de tensão ou emoção.

Com uma harmonia clara com o roteiro, desta vez adaptado por Michael Goldenberg, Yates pensa em todos os detalhes para amarrar a história que tem nas mãos. O diretor entende que, mesmo na fase da adolescência, muita maturidade é exigida de seus personagens e isso acaba sendo dignamente mostrado. O pequeno Harry Potter já não é tão pequeno assim e se impõe, fica perturbado com seus poderes, grita com superiores e toma decisões importantes. Com ele, Rony e Hermione continuam sendo o suporte do que é preciso para haver um funcionamento lógico das coisas. Como se não bastasse o crescimento de uma consciência dos personagens, estes passam por conflitos adolescentes que não são abordados de formas enlatadas como podemos ver em diversos outros filmes adolescentes. Tudo vai fluindo naturalmente e ganhando dimensões assustadoras. O diretor conseguiu trabalhar com os feitos iniciais de Cuarón, dando atenção especial também aos atores. Quanto à história, Yates não tem medo de escurecer a película e criar momentos de quase-terror-suspense. É incrível como, de uma hora para a outra, um sentimento é rapidamente substituído por outro e a incerteza do que acontecerá causa uma tensão cada vez mais forte. É isso que chama a atenção em um filme desse naipe.

Sem medo de mostrar sangue e cicatrizes, o longa chega com uma proposta sombria que, obviamente, será o pano de fundo das próximas produções, já que a história promete muita surpresa, além da luta final de Harry e Voldemort. Yates controla o timing das cenas e dá um luxuoso toque de ousadia em alguns planos que constrói. As passagens de cena também são bem pensadas e o uso de gruas e câmeras altas continuam funcionando de forma adequada. Além de criar o clima para toda e qualquer tomada, Yates abusa da criatividade para fazer surgir tiradas impagáveis, que vão moldando a personalidade de cada personagem. Conseguimos ver um Harry Potter mais determinado a atingir seus objetivos, enquanto seu primo Duda vira um dos arruaceiros da cidade. Do mesmo modo, Rony e Hermione começam a criar uma tensão apaixonada, bem como Gina, que se rói com apenas um olhar para Harry e Cho. A irremediável Dolores Umbridge irrita com o sorriso irônico e a presença arrebatadora em qualquer cena. Sibila, por menos que apareça, apieda qualquer fã quando quase é expulsa de Hogwarts. Snape continua o ser introspectivo e esquisitão que sabe ser engraçado e impiedoso nas horas certas. Luna, a lunática em eterno transe, exala uma identificação muito forte com Harry, por terem passado por coisas semelhantes. Dumbledore salva a pátria várias vezes e dá um verdadeiro show na batalha final. Sirius Black precisa somente piscar um dos olhos para eletrizar o público. Todas essas características, e outras, são responsáveis por um filme com pé no chão e sem maneirismos que qualquer outro diretor talvez tivesse apelado em vários momentos.

Como nem sempre um diretor basta para fazer de um filme um sucesso, a vasta colaboração do elenco em deixar se envolver com uma história mais madura rendeu bons resultados. Por mais que ainda não esteja em sua melhor forma, Daniel Radcliffe assume Harry Potter com mais punho e decência. O mesmo serve para Rupert Grint, levemente apagado do quinto filme, porém com uma postura mais correta. Emma Watson desde sempre mostrou uma facilidade em se comunicar com as câmeras e só aperfeiçoa o talento a cada produção. Entretanto, “A Ordem da Fênix” tem somente uma dona: Imelda Staunton, ou a odiada Dolores Umbridge. Trejeitos, olhares, intolerância e outras características fizeram com que Staunton roubasse a cena e se revelasse o melhor investimento do quinto longa. Ao lado dela, a pottermaníaca Evanna Lynch faz de Luna Lovegood um personagem muito interessante e que causa bons momentos em cena. Sempre no mundo da lua, Luna ressalta bem os dotes de seu personagem e ensina muito a Harry. Gary Oldman traz de volta o cultuado Sirius Black em uma performance também arrebatadora. Ele só precisa constar na cena que já consegue o máximo do seu personagem. Michael Gambon abusa do bom senso de Dumbledore e dá uma aula de atuação, principalmente ao enfrentar a ira de Ralph Fiennes, como Voldemort. Em participação menor, Helena Bonham Carter como Belatriz Lestrange, Maggie Smith, como Minerva McGonagall, Jason Isaacs, como Lucio Malfoy, dentre outros, também são dignos de méritos.

“A Ordem da Fênix” também abusa dos efeitos visuais em grandes proporções, porém torna piegas alguns mais simples que poderiam ter recebido uma maior atenção. A preocupação com as cores e com os detalhes característicos de cada cena dão um caráter mais obscuro à fotografia do longa, sendo assim positivo para o context, além da direção de arte impecável, que constrói cenários grandiosos e realistas. A trilha sonora continua sendo um dos pontos altos do filme, agora aparecendo com mais vitalidade, ou mortalidade. Ainda no quesito sonoro, a captação de sons está detalhista, mas poderia ter deixado de lado sons comuns e “de arquivo” como os de felinos. Detalhes desagradáveis a parte, o longa se destaca por um olhar que traduz sentimentos, por gestos e momentos únicos, mostrando que, se continuar seguindo esta linha, trará nos próximos dois filmes um verdadeiro ensaio de bons elementos que se harmonizam e dão certo. É impossível não vibrar ou se emocionar e ficar ansioso para a próxima façanha dos bruxos mais queridos do mundo.

Diego Benevides
@DiegoBenevides

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