Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 04 de fevereiro de 2006

Boa Noite e Boa Sorte

Um filme simplesmente espetacular, que vem pra provar que George Clooney realmente não está de brincadeira quando assume a direção de uma produção.

Personagens e acontecimentos reais são retratados em “Boa Noite e Boa Sorte” de uma maneira magnífica. O filme enfoca uma controversa situação política norte-americana da década de 50 envolvendo o senador Joseph McCarthy, que instaurou, na época, uma espécie de perseguição a quem apresentasse o menor indício de ser comunista, ao que um famoso jornalista e apresentador da rede Columbia Broadcast System – CBS, iniciou um contra-ataque em seus programas. O jornalista, Edward Murrow, vai contra a política e as ordens da própria CBS para confrontar o senador, usando como ponto de partida o caso, também verídico, do tenente Milo Radulovich, expulso da Força Aérea sob suspeita de ser comunista sem provas e sem julgamento

Edward Murrow está brilhantemente interpretado por David Strathaim, um nome não tão conhecido do grande público embora possua uma vasta filmografia. O ator, além de ser extremamente parecido com o Murrow real, dá um show de competência ao assumir o papel. Apesar de “Boa Noite e Boa Sorte” ter o elenco permeado de nomes de peso como Robert Downey Jr., Frank Langella, Jeff Daniels, Patrícia Clarkson e o próprio Clooney, é David Strathaim que tem o maior destaque na trama e não decepciona de modo algum.

A imagens, todas filmadas em preto e branco, causam um efeito fotográfico incrível, além de permitir que cenas reais da época fossem inseridas no filme. O senador McCarthy não é interpretado por um ator, todas as suas aparições são gravações disponíveis nos arquivos americanos, cuidadosamente escolhidas por George Clooney. Muitas falas de Edward Murrow, também foram fielmente reproduzidas, a partir de pesquisas com imagens da CBS.

A atmosfera do filme, uma tanto quanto claustrofóbica, transporta o espectador para o ambiente tumultuado dos escritórios da CBS, onde constantemente os personagens encontram-se envoltos na fumaça de seus próprios cigarros. As músicas de jazz, presentes nas transições de cenas, também contribuem para uma atmosfera tipicamente “anos 50”.

O filme, porém, foge completamente dos padrões comercias por não seguir a velha fórmula linear e repetida das produções que estamos acostumados a ver. Esse é um filme de situações e diálogos – esses últimos apresentando tiradas interessantíssimas de humor sutil, fazendo de “Boa Noite e Boa Sorte” um filme, acima de tudo, inteligente.

O custo de apenas U$ 8 milhões que, a princípio, poderia ser a premissa de um filme de qualidade limitada, não se faz notável aqui. Os detalhes e a caracterização são extremamente bem cuidados, o que nos leva, além de tudo, a uma imersão nos bastidores do jornalismo da época. O interesse por esse meio, segundo George Clooney, que também co-assinou o roteiro, deve-se ao fato de que o ator cresceu acompanhando o pai, o jornalista Nick Clooney, nas redações em que trabalhava.

“Boa Noite e Boa Sorte”, num panorama mais profundo, também nos proporciona uma reflexão sobre a hipocrisia de um sistema que prega a liberdade individual acima de qualquer coisa, desde que essa forma de liberdade não seja divergente do que é conveniente a quem domina. Através do enfoque de uma situação real acontecida há meio século atrás, encontramos uma temática mais que atual.

Desde que estreou na direção, com o então promissor “Confissões de Uma Mente Perigosa”, George Clooney já mostrou que é sinônimo de competência atrás das câmeras assim como o é na frente delas. “Boa Noite e Boa Sorte” é uma magnífica pedida para quem procura um pouco mais que o cinema descartável que nos sufoca cada vez mais. É um verdadeiro espetáculo que vale a pena ser conferido.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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