Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de novembro de 2005

Cidade Baixa

Apesar das sempre ótimas interpretações de Lázaro Ramos e Wagner Moura, “Cidade Baixa” é um filme que deixa a desejar, contendo diversos buracos no roteiro e apelando excessivamente para as cenas de sexo.

É fato que, nosso cinema nacional nunca foi tão reconhecido e prestigiado. Por puro méritos, afinal, a qualidade das produções vistas só tem crescido. Esse ano andava bem, começando com o ótimo “Meu Tio Matou um Cara”, o arrebatador e – pelo menos pra mim – surpreendente “2 Filhos de Francisco”, além de outros que estrearam em circuito menor como “Quanto Vale ou É Por Quilo?”, “Quase Dois Irmãos” e “Cafundó” que surpreenderam o público por suas qualidades. Infelizmente, “Cidade Baixa” quebra essa linha que vinha sendo constante, e passa longe de ser um filme que se torne referência para nosso cinema. É um bom passatempo? Sim. Mas, não consegue mostrar a que realmente veio.

O filme conta a história de Deco (Lázaro Ramos) e Naldinho (Wagner Moura), que se conhecem desde garotos, sendo difícil até mesmo falar em um sem se lembrar do outro. Eles ganham a vida fazendo fretes e aplicando pequenos golpes a bordo do Dany Boy, um barco a vapor que compraram em parceria. Um dia surge Karinna (Alice Braga), uma stripper que deseja arranjar um gringo endinheirado no carnaval de Salvador a quem a dupla dá uma carona. Após descarregarem em Cachoeira, Deco e Naldinho vão até uma rinha de galos. Naldinho aposta o dinheiro ganho com o frete, mas se envolve em confusão e termina recebendo uma facada. Deco defende o amigo e ataca o agressor, mas os dois são obrigados a fugir no barco, rumo a Salvador. Enquanto Naldinho se recupera, Deco tenta conseguir dinheiro para ajudar o amigo. Ao chegarem em Salvador a dupla reencontra Karinna, que está agora trabalhando em uma boate. Aos poucos a atração entre eles cresce, criando a possibilidade de que levem uma vida a três.

Antes de tudo, afirmo que, tecnicamente, “Cidade Baixa” é admirável. O trabalho de fotografia é primoroso, atenuando bem as diferenças entre os centros urbanos e os subúrbios, além de acertar sempre quando são dados os focos nos rostos de algum personagem em momentos de tensão. A qualidade de som também é de primeiro mundo, mostrando que definitivamente, foi-se o tempo em que era preciso o uso de legendas para se entender um filme nacional.

O diretor Sérgio Machado cumpre bem a sua parte e mantém uma direção firme, sabendo manter um clima sempre denso durante a projeção – até mesmo nos momentos de humor – exatamente como pede a estória. Seu estilo de direção em muitos aspectos, lembra o de Bruno Barreto em “O Que é Isso Companheiro?”. Se, por um lado Sérgio Machado cumpre bem o seu papel de diretor, o mesmo não se pode dizer do seu trabalho como roteirista, visto que, o roteiro é o grande ponto fraco da produção. E, já sabem: com um roteiro mal desenvolvido, não há direção ou interpretações que salvem o filme.

O filme até que começa bem, fazendo o espectador se envolver com a história e começar a identificar com algum dos personagens. Porém, quando você imagina que finalmente a história engatou, ela se perde nas repetitivas cenas de sexo. Ao final, fica até difícil captar qual a principal idéia ou mensagem que o filme quer transmitir, devido ao pouco cuidado para com as muitas vertentes que o roteiro almeja trabalhar, não recebendo a devida atenção. Por sinal, são muitas as idéias que o roteiro tenta focar, mas todas, são tratadas de uma maneira tão supérflua e subjetiva, que quem assiste, acaba não dando maior atenção a esses detalhes, visto que a maioria se perde nas cenas de sexo demasiadamente repetitivas. Dentre as idéias que o filme tenta mostrar, podemos tirar: a importância da amizade entre os personagens, já que esse é centro da roda gigante que é esse longa; de certa forma, o filme também pode ser visto como uma crítica social ao nosso mundo atual, marcado pela violência e prostituição. Nesse último caso, a crítica em nenhum momento fica explícita, de forma que o simples apelo visual leve o espectador à reflexão. Além dessas supostas mensagens, alguns outros pontos são sugeridos pelo roteiro, mas que não recebem maior profundidade, como é o caso de induzir que o personagem Deco (Lázaro Ramos) é o correto da dupla, que pretende seguir uma carreira bem sucedida como lutador de boxe (outro ponto menosprezado) e Naldinho (Wagner Moura), o incompetente. Como as idéias não são bem aproveitadas, no final das contas, o filme acaba se tornando apenas mais uma história sobre dois homens que brigam pela mesma mulher, e… já disse que o filme apela muito para as cenas de sexo?

Se por um lado, a trama deixa a desejar, nada de mal temos a falar da dupla de protagonistas. Lázaro Ramos e Wagner Moura estão, pra variar, perfeitos em seus papéis, cada um dando o tom ideal ao que seu personagem exige. A maior prova do talento da dupla pode ser conferida em uma única cena, onde ambos se encontram cara-a-cara após uma tortuosa briga, e apenas se fitam com olhares que misturam uma série de sentimentos que vão da pena ao ódio. Alguém ainda questiona que os dois são não apenas as maiores revelações, mas dois dos melhores astros da atualidade em atividade no nosso país? Por outro lado (perceberam que, em tudo, o filme contém esse “por outro lado”?), Alice Braga, que faz a prostituta que se torna a ponta do triângulo amoroso, se mostra um tanto incomodada com o papel, e parece ir procurando ao longo da projeção, o tom certo para a personagem – o que ela até chega a encontrar lá pela metade, mas novamente se perde na hora do ato final. Ah, um detalhe: o filme conta com uma participação rápida de José Dumont, garantindo seu ar de experiência à produção, levando em conta que ele está presente em 9 em cada 10 filmes nacionais.

“Cidade Baixa” deixa a desejar em diversos aspectos do roteiro, o que é lamentável em meio a essa ascensão do nosso cinema nacional. Não chega a ser um filme ruim, mas, não cumpre a que veio. Ainda assim, quer um bom motivo para assisti-lo? Darei dois: Lázaro Ramos e Wagner Moura.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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