Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 01 de julho de 2005

Guerra dos Mundos

“Guerra dos Mundos” é um típico exemplo de uma produção cujo trailer é melhor do que o filme inteiro. O que antes era uma promessa de um filme espetacular, chocante, acabou se tornando apenas mais um filme-catástrofe sobre a invasão de extraterrestres em nosso planeta, divertido e muito bem-feito.

Finalmente, após muita expectativa, fortalecida por um trailer sensacional, chega aos cinemas a versão do mestre Steven Spielberg de “A Guerra dos Mundos”, baseado na obra de H.G. Wells. É bom salientar que Wells publicou sua estória sobre a invasão alienígena na Terra em 1898, época em que não existiam aviões, automóveis, as armas eram primitivas, o homem só conhecia a lua vista das cadeiras na calçada, mas ainda assim, já existiam espaçonaves que tramavam verdadeiras guerras intergalácticas. É interessante nesse contexto, imaginar o desespero das pessoas ao lidar com algo completamente inimaginável. Agora, fica uma questão: será que essa mesma estória sendo adaptada para os cinemas 107 anos depois, com um orçamento de 128 milhões de dólares, com efeitos especiais de última geração causaria o mesmo impacto? Certamente não. O grande problema desse “Guerra dos Mundos”, é que o que parecia ser o maior duelo entre nós e nossos “visitantes” já visto até então nos cinemas (pelo menos a estória de Wells é sim o melhor duelo já retratado), acabou se tornando mais um típico filme pipocão, bem ao estilo de “Independence Day”, feito para lotar os cinemas na temporada de férias; um filme que se apóia em cenas de ação bem dirigidas e ótimos efeitos.

Tom Cruise interpreta Ray Ferrier, um homem divorciado que trabalha nas docas. Ele não se sente à vontade como pai, mas precisa cuidar de seus filhos, Robbie (Justin Chatwin) e Rachel (Dakota Fanning), quando eles lhe fazem uma de suas raras visitas. Pouco após eles chegarem, Ray presencia um evento que mudará para sempre sua vida: o surgimento de uma gigantesca máquina de guerra, que emerge do chão e incinera tudo o que encontra. Trata-se do primeiro golpe de um devastador ataque alienígena à Terra, que faz com que Ray pegue seus filhos e tente protegê-los, levando-os o mais longe possível das armas extra-terrestres.

O grande mérito do maravilhoso trailer do filme, é que a tal grande ameaça não é mostrada, mostrando apenas o desespero das pessoas lutando pela sobrevivência, deixando um enorme mistério e aquele clima de suspense no ar. Já a grande decepção do filme, é exatamente o fato deste mistério e o clima de suspense ser quebrado logo no início. É a partir de então, que reparamos que não estamos assistindo “aquele” filme chocante que esperávamos, e sim, apenas mais um “Independence Day” ou um “Godzilla” da vida.

É triste ver que o Spielberg de hoje não é mais aquele diretor frio que dirigiu “Tubarão”, e sim, aquele diretor preocupado com a censura, que substituiu as armas nas mãos dos policiais por inofensivos Walkie-talkies, na versão remasterizada de “E.T – O Extraterrestre”. É notória em diversos momentos, a preocupação do diretor em amenizar situações para não torná-las violentas, nem que para isso seja preciso trazer uma conclusão feliz forçada (ponha forçada nisso) para diversas dessas situações. Afinal, um ataque alienígena que vinha sendo planejado há milhões de anos visando simplesmente, o extermínio da raça humana, não exige crueldade e violência ao extremo? Como podemos ter uma noção real da tragédia se não vemos na tela isso de uma forma concreta? Certos momentos que prometem ser intrigantes, mostrando até que ponto o homem é capaz de agir para garantir a sua própria sobrevivência, como o momento decisivo entre os personagens de Tom Cruise e Tim Robbins, simplesmente são omitidos do público. O problema não é apenas de Spielberg, mas o roteiro de David Koepp e Josh Friedman também não ajuda a querer mostrar o realismo no genocídio, sentindo aquela obrigação de trazer finais felizes, criando situações tão forçadas, que chegam a ser um insulto à inteligência humana. Aquele velho clichê de mostrar um personagem retornando após uma situação em que todos já tinham se convencido que era impossível de se sobreviver a ela, não convence mais ninguém. Para quem curte ficar catando furos de roteiro durante um filme, pode ter certeza que se divertirá muito encontrando muitos erros em “Guerra dos Mundos”. Por exemplo: se todos os carros e tudo mais que é elétrico ou à bateria parou de funcionar a partir da estranha tempestade, como Ray simplesmente manda o mecânico trocar uma peça do motor do carro e ele passa a funcionar? Como um avião cai sem ter nenhum passageiro dentro? Bom, em meio a esses ataques terroristas envolvendo os EUA, o cauteloso Spielberg simplesmente acovarda-se ao não colocar uma lembrança como essa em um filme seu.

Spielberg havia afirmado em entrevistas que o filme retrataria a vulnerabilidade a que as pessoas estão expostas, o medo generalizado no planeta com foco nos EUA pós-onze de setembro. Essas analogias são sim, mostradas, mas apenas de relance, quando logo são substituídas pelas cenas de ação. Algumas analogias são claras mesmo, como em um momento em que a menina interpretada por Dakota Fanning, ainda sem saber da origem dos ataques, pergunta: “São os terroristas?”. Spielberg havia afirmado exatamente com essas palavras a respeito do filme: “Guerra dos Mundos é ultra-realista, quase documental. Mas ao mesmo tempo é cheio dos valores hollywoodianos que o público exige hoje em dia”. Pois deixo bem claro que o filme possui infinitamente mais valores hollywoodianos do que realismo. “Quase documental?!” Pura heresia.

Apesar de tudo isso, “Guerra dos Mundos” não um filme ruim. As cenas de ação são impressionantes, repletas de efeitos especias impecáveis. Quanto a isso temos de tirar o chapéu. Tecnicamente, “Guerra dos Mundos” é perfeito. O primeiro ataque alienígena aos humanos é simplesmente fantástico, nos transmitindo com eficiência a surpresa que acaba se tornando um desespero sem igual, resultando em uma fuga inquietante pela sobrevivência. Além de podermos conferir cenas extremamente bem dirigidas que nos fazem encher os olhos, como uma em que a multidão se depara com um trem completamente em chamas e ainda em movimento. Nesses momentos, podemos ver aquele bom e velho Steven Spielberg de “Jurassic Park” novamente em ação, usando e abusando de seus marcantes lances de câmeras que apenas ele saber fazer.

O desespero da população é mostrado de uma forma realista e angustiante, algo semelhante ao que seria no mundo real se realmente estivéssemos perante do fim do mundo. Aquele velho lance do “matar ou morrer” e “cada um por si e Deus por todos”. Pessoas lutando ao máximo pela sua sobrevivência, que a certo ponto, se torna algo quase impossível de se conseguir, nem que para isso, seja preciso passar por cima de outros. Claro, algumas almas bondosas que ainda existem nesse mundo com a intenção de ajudar aos outros também são retratadas. A trama paralela do filme que foca o processo de adaptação de Ray com seus filhos, apesar de ser algo totalmente batido, não chega a comprometer o filme e transmite ótimos momentos de humor e emoção (o momento em que Ray precisa fazer uma certa escolha é realmente comovente).

Tom Cruise está bastante correto como o protagonista Ray Ferrier. Sua atuação não compromete e nem recebe destaque, de forma que as mudanças previsíveis em relação a sua personalidade são vistas de uma forma superficial. Quando parece que finalmente o aspecto da mudança de personalidade do personagem vai ser focado, a cena é interrompida (novamente) por uma cena de ação. Quem rouba toda a atenção do filme, é sem sombra de dúvidas, a garota Dakota Fanning, que interpreta a filha do personagem de Cruise. A garota demonstra ser uma das melhores (se não a melhor) atriz mirim da atualidade, conseguindo passar com maestria a imagem da garota inofensiva e deslocada em relação a tudo que se passa ao seu redor, necessitando de alguém para a proteger. Na frente da pequena estrela, Tom Cruise pareceu virar um mero coadjuvante. Outro que merece um destaque é Tim Robbins. Mesmo tendo um papel secundário e ficando pouco tempo em cena, o vencedor do Oscar por “Sobre Meninos e Lobos” mostra o porque dele ser um dos melhores atores da atualidade, passando a ótima imagem de um homem completamente neurótico, que de primeiro momento, fica impossível identificarmos se ele representa uma ameaça ou uma ajuda aos protagonistas.

No final das contas, “Guerra dos Mundos” é um filme tipicamente hollywoodiano que irá agradar em cheio aos fãs de filmes catástrofes que apresentam os humanos como iscas de uma força maior. Se você for para o cinema cheio de expectativas, esperando um filme que irá lhe deixar impressionado, as chances de você sair decepcionado são grandes. Mas, se você for para o cinema unicamente com o intuito de passar duas horas de diversão, embalada com muita ação e efeitos especiais de primeira linha, você não irá se arrepender de ter pago o ingresso.

Thiago Sampaio
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