Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 15 de fevereiro de 2006

Oliver Twist

Mesmo explorando o seu lado humanista, como gosta de nomear a sua nova fase, o cineasta Roman Polanski dá à estória de um dos órfãos mais queridos da Literatura mundial um tom sombrio, repleto de personagens ameaçadores, no filme que considera o “mais carinhoso” de toda a sua carreira.

Antes de tudo, gostaria de iniciar este texto parabenizando o senhor Pedro Martins, organizador do Cinema de Arte em Fortaleza, por disponibilizar “Oliver Twist” em sua programação. É uma imensa vergonha que o novo filme de um cineasta como Roman Polanski não tenha chegado aos cinemas da cidade.

Deixando as lamúrias um pouco de lado (mas não por muito tempo) e resumindo o filme em uma pequena sinopse, Oliver Twist é um órfão entre muitos que sofrem com o trabalho escravo na Inglaterra do século XIX. Depois de ser encaminhado para a casa de um coveiro, agente funerário, algo dessa “estirpe”, o menino não agüenta os maus-tratos e prefere fugir e ir caminhando à gigante Londres. Lá, arrasado de cansaço e fome, é recolhido por Fagin (Bem Kingsley), um homem de aparência bizarra que mantém um enorme grupo de pequenos ladrões. Oliver já está se adaptando àquela vida quando um bom homem aparece dando-lhe a chance de lhe proporcionar a ótima vida que ele jamais teve. Mas é claro que nem tudo são flores, pois os vilões são muitos.

O que mais me agradou em “Oliver Twist” foi o retorno à maravilhosa Literatura infantil que o filme nos proporciona. Os créditos, tanto os iniciais, quanto os finais, são repletos de gravuras típicas dos livros mais antigos. Os personagens são extremamente caricatos, o que pode incomodar a algumas pessoas, mas que me remetem a mais pura idéia de fábula, ao mesmo tempo em que carnavaliza com a sociedade da época. Os humanos muito se assemelham a animais, tanto fisicamente, quanto em suas atitudes, extremamente cavalescas, principalmente em se falando de suas relações para com as crianças, que parecem já estar anestesiadas e amadurecidas com tanta dureza e tão pouco tempo de vida. Essa é uma das caras da infância desvalida na Literatura de Charles Dickens, integrante do Realismo inglês e um dos maiores escritores da Literatura Mundial.

Provavelmente muitos se deixaram enganar pelo trêiler de “Oliver Twist”. Este é água-com-açúcar o suficiente para deixar marcada a impressão de que propagandeia apenas mais um filme de aventura juvenil. A realidade é diferente: estamos falando de Charles Dickens, antes de tudo, e de Roman Polanski, um dos maiores nomes entre o cinema de autor. O velho Polanski, apesar de afirmar que sua intenção ao filmar “Oliver Twist” foi, primeiramente, criar um filme para famílias, não abandona o seu velho estilo (e talvez nem seja capaz de fazê-lo; ainda bem). O que acontece é que nos deparamos com uma triste estória de um órfão, ao mesmo tempo em que somos aterrorizados com vilões sanguinários, o que pode ser encarado de várias maneiras, mas que não deixa de ser uma vantagem, toda essa mescla de gêneros.

Em sua visita badalada ao 2o Amazonas Film Festival, o cineasta deu mais uma justificativa para ter filmado a obra de Dickens, já adaptada por diretores de teatro e cinema mais de vinte vezes, e na qual Polanski encontrou ingredientes para adicionar um quê de sua triste experiência da infância, nos guetos da Segunda Guerra Mundial: "Eu queria contar uma estória pra todo tipo de público, mas principalmente para as crianças, sem precisar recorrer a lasers, explosões, efeitos visuais e sonoros que nos deixam cegos e surdos. Queria que as crianças entendessem o que emoção significa e não só o choque momentâneo dos efeitos visuais. Os jovens estão vendo filmes como fazem com McDonald’s e Pizza Hut. Hoje em dia a maioria é incapaz de engolir qualquer coisa sem catchup “. Estas são as palavras indignadas de um senhor cineasta de 73 anos, que nos deixam um questionamento: quando iremos parar de consumir cinema; quando irão parar de vender cinema? Quando os nossos jovens irão aos cinemas cientes de que estão indo assistir a um filme de Roman Polanski e sentir esse filme, ao invés de rir sem parar e soltarem ruídos de insinuações libidinosas? É triste e duvidoso, e é nessa sociedade em que vivemos.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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