Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 28 de março de 2005

Sobre Meninos e Lobos

O mal e o bem são mais relativos do que parecem. Para acordar relaxado é melhor deixar o passado no fundo do rio, pois de lá ele nunca sairá

Quando somos crianças temos a impressão de que a vida é mais intensa. Cada fato vivido na infância molda nossa personalidade e nosso futuro. Esse assunto permeia toda história misturada aos outros ingredientes como: a violência urbana, as relações familiares e a loucura do homem em “Sobre Meninos e Lobos” dirigido por Clint Eastowood.

O roteiro é uma deliciosa surpresa muito bem amarrada, baseado no romance “Mystic River” de Dennis Lhane. Três garotos que brincavam na rua e resolvem gravar seus nomes em um trecho da calçada com cimento fresco. São abordados por dois homens, aparentemente policiais. Um dos garotos é levado. O estupro do garoto é tão implícito que a cena não precisou ser mostrada. As cenas de fuga do menino pelo bosque são pouco a pouco inseridas no filme.

Um rápido movimento de câmera faz a passagem para as vidas modificadas dos três garotos, agora adultos. O desaparecimento e a notícia da morte da filha de Jimmy (Sean Pean) é o estopim para a engendrada trama na qual contar o fim nesta resenha seria um verdadeiro crime.

As atuações de Sean Pean (Vencedor do Oscar Melhor Ator), Tim Robbins (Vencedor do Oscar de Melhor Ator Coadjuvante) e Kevin Bacon são uma verdadeira “competição” (no sentido saudável da palavra) de interpretação. A maneira como os personagens foram captados e a natural espontaneidade dos diálogos dão ao filme a dureza necessária da realidade.

Tim Robbins faz o alienado e abalado pela violência dos lobos humanos que gostam de uma “carne fresca”. Sean Pean é alguém que poderíamos chamar de ex-mafioso, mas que não perde sua honra. Kevin Bacon é um policial mais contido, como a maioria dos homens, mas nem por isso menos problemático. O entrelaçamento dos três diferentes personagens mostra os diferentes lados do ser humano e as diferentes reações diante dos entraves do cotidiano.

É notável o alto padrão estético da direção de Eastwood. Os filtros utilizados para dar a cor, ou melhor a falta de cor, com a predominância do azul e cinza onde as ações parecem sempre acontecer de noite, ou pelo menos perto dela. A “trilha” sonora, bem ao pé da letra, abre os caminhos do filme e é assinada, surpreendentemente, pelo próprio Eastwood.

Não só a qualidade técnica é vista mas todo o embasamento contido nas metáforas e analogias constantemente presentes. Um exemplo interessante é o detalhe do anel contendo um crucifixo de padre no dedo de um dos seqüestradores pedófilos no início do filme, um crítica a incrível onipresença do mal.

Ninguém deve perder a chance de assistir “Sobre Meninos e Lobos”. Um filme que supera um desfecho simplesmente policial de sua história. Ele propõe reflexões a cada instante. Enquanto se lê as legendas os pensamentos voam em paralelo tentando achar explicações aos fatos. Os valores e a justiça perdem sua utilidade em uma sociedade na qual o mal está sempre preparado para dar o bote. O mal e o bem são mais relativos do que parecem. Para acordar relaxado é melhor deixar o passado no fundo do rio, pois de lá ele nunca sairá.

Vinicius Augusto
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