Animação da A24 tem uma fachada adorável, e surpreende ao debater feridas profundas sobre perda e luto.
Um documentário falso animado sobre uma concha habitando um AirBnb parece uma ideia esdrúxula, mas “Marcel the Shell with Shoes On” se prova um filme cheio de alma, fofura e até mesmo convida à introspecções filosóficas.
Baseado em curtas com o mesmo nome do início da década de 2010, o filme foca na concha Marcel, que mora em uma casa transformada em um AirBnb alugado por Dean, o próprio diretor e roteirista do projeto. Quando o homem descobre a pequena criatura, ele decide sair documentando suas experiências e produz vídeos para o YouTube, onde Marcel rapidamente viraliza e precisa lidar com a inesperada fama, ao mesmo tempo em que conta com seu novo parceiro para tentar encontrar sua família.
Cada cena pode até parecer desconjuntada, mas fica a sensação real de se estar vendo uma playlist de vídeos no YouTube, o que ajuda na imersão. Assim, acompanhma-se momentos íntimos e absolutamente fofos na história de Marcel. Um slice of life de primeira, o longa retrata a alma ingênua e pura da concha enquanto mostra as estratégias que criou para sobreviver e cuidar da avó já bastante idosa, e é aí que o filme agarra o espectador de uma forma inesperada. Toda a doçura apresentada é, de repente, revelada como a camada doce de uma rotina agridoce, onde são mostradas, por exemplo, as dificuldades com a doença da avó e a solidão de alguém que perdeu praticamente toda a família da noite para o dia.
Assim, esse aparentemente leve conto sobre a vida de uma concha monocular que usa sapatos e tem um visual absurdamente adorável começa a fazer o espectador ponderar sobre a própria vida; sobre suas lutas, problemas, dores, saudades e esperanças. O que parecia uma obra alegre para toda a família se torna uma análise sobre a importância do senso de comunidade, de se sentir pertencente a um grupo, no caso, a família de Marcel.
Mas a doçura nunca é perdida, a começar pelo design do próprio Marcel. Maravilhosamente animado, a animação por CGI chega a parecer stop motion, fazendo com que a concha pareça real e palpável, vivendo naquele mundo. Acrescente-se a isso a voz de Jenny Slate (também corroteirista) no protagonista, com a atriz usando e abusando de seu talento para fazer a voz fofa de um personagem que se maravilha com novidades do mundo ter camadas feridas de alguém que passou por enorme perda.
Ainda que seja um filme o qual crianças podem acompanhar sem dificuldade, são os adultos que sairão das sessões inesperadamente introspectivos. Mas é impossível não ser cativado por um personagem tão amável. “Marcel the Shell with Shoes On” é um banho de inocência, humanidade e esperança, debatendo questões rotineiras e profundas de forma madura e honesta.