Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 07 de janeiro de 2023

The White Lotus (HBO, 2ª temporada): ricos, bonitos e infiéis

Segunda temporada muda de cenário, mas mantém a mesma estrutura de mistério e conteúdo de crítica social de sucesso da temporada de estreia.

Depois de uma 1º temporada surpreendente e premiadíssima (foram 10 prêmios Emmy), o showrunner Mike White ganhou da HBO a missão de escrever uma nova leva de episódios de “The White Lotus“, com o desafio de fazer tudo igual, mas diferente. Para a segunda temporada, o autor corria o risco de desagradar o público se fugisse muito da estrutura bem-sucedida de sua estreia, isto é, um resort onde desde a primeira cena sabemos que alguém morreu, porém ao longo dos episódios acompanhamos diversos personagens e seus dramas sem saber quem está envolvido no crime e, mais importante, quem de fato é o presunto. Por outro lado, se copiasse a mesma fórmula, poderia deixar a sensação de déjà vu numa audiência que há pouco mais de um ano devorara sua primeira temporada.

Terminado o novo ano, inteiramente disponível na HBO Max, e observando sua repercussão nas redes e no boca a boca, vê-se que Mike acertou novamente e talvez ainda mais. Sabiamente, o autor puxa da primeira temporada sua personagem mais cativante, Tanya, vivida com brilhantismo por Jennifer Coolidge, para criar alguma ligação entre a primeira e segunda histórias. O resort em questão segue sendo da rede White Lotus, agora, porém, estabelecido em Taormina, na apaixonante Sicília italiana. Estão lá algumas novas versões dos personagens da primeira temporada, como a gerente absolutamente surtada, agora vivida por Sabrina Impacciatore, sem nenhum controle do que se passa no hotel e em sua própria vida. Outros personagens chegam com seus dramas e segredos, como duas garotas de programa locais, dois casais de amigos americanos que viverão dias de ciúmes e paranóia, e uma família de avô, pai e filho que vão rever a história de seus antepassados.

Mike constrói mais uma trama bem amarrada, composta por personagens interessantes que vão escalando em suas próprias crises até um ponto em que sentimos que todos ali têm motivos para matar ou morrer. A crítica à elite branca anglo-saxônica, com seus problemas inventados e vidas perfeitas de mentira, dá o tom da série. Mais uma vez, o autor começa a história nos revelando corpos, porém, não sabemos de que sejam. Isso nos insere numa trama de mistério do tipo Agatha Christie, em que parte da diversão é criar teorias e tentar ligar os pontos para se anteceder à revelação sobre quem será o assassinato. Para os impacientes, fica o aviso: assim como na primeira temporada, Mike amarra os nós de seu roteiro apenas nos últimos minutos do último episódio, nos deixando angustiados e ansiosos até o desfecho inevitável.

O hábil realizador rouba um pouco no jogo ao nos transportar para um cenário deslumbrante como o de Taormina. Qualquer trama pode nos prender diante daquela beira-mar exuberante sob o Sol da Toscana. Direção de arte, figurinos e fotografia brilham ainda mais do que na temporada de estreia, fazendo uma série ainda mais chique, prazerosa aos olhos e com altíssimo valor de produção. Para nós, uma curiosidade dessa temporada está na abertura, feita com ilustrações do brasileiro Lezio Lopes. O realizador também se vale das referências mais que inquestionáveis para compor a mise-en-scène, tendo espaço até para uma visita às locações de “O Poderoso Chefão” e uma reencenação da passagem clássica de Monica Vitti no filme “A Aventura” (1960), de Michelangelo Antonionni, recriado aqui com a sempre excelente Aubrey Plaza.

Com um elenco fantástico que recupera nomes como Michael Imperioli (o inesquecível Christopher Montisanti de “Família Soprano“) e o veterano F. Murray Abraham (vencedor do Oscar por “Amadeus“), e os mistura com novos rostos, como Haley Lu Richardson (como Portia, a assistente da insana Tonya) e Simone Tabasco (a cativante garota de programa Lucia), a série constrói mais uma vez uma trama cativante à la “Grande Hotel“, clássico filme de 1932 com Greta Garbo, onde o assassinato é apenas um dos motivos pelos quais assistimos.

Por uma soma de fatores técnicos, de produção, roteiro e atuais, “The White Lotus” se estabelece, assim, como uma das séries mais surpreendentes dos últimos anos. Cativante em todos os seus aspectos, com histórias fortes e reconhecíveis, protagonistas e personagens secundários relevantes e um visual estonteante, é impossível não querer entrar num site de viagens em busca de passagens. Renovada para uma terceira temporada, que deve sair tão rapidamente quanto esta, resta saber para qual novo cenário deslumbrante Mike White nos levará e de quem serão os corpos escondidos no armário.

Vinícius Volcof
@volcof

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