Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 29 de abril de 2021

Godzilla vs. Kong (2021): som e fúria dão o tom nesse duelo de titãs

O diretor Adam Wingard levou a sério a frase "Deixe-os lutar!" que virou meme no Monsterverse. Pouco ligando para os personagens humanos, este longa foca mais no embate que lhe dá título e funciona como diversão escapista justamente por isso.

Assistindo a este “Godzilla vs. Kong”, algumas vezes veio à mente a célebre frase de Sigmund Freud, de que “às vezes um charuto é apenas um charuto”. “King Kong” (Merian C. Cooper e Ernest B. Schoedsack, 1933), trazia todo o background da Grande Depressão econômica dos anos 1930 e a relação bela/fera entre o gigantesco gorila e a atriz aspirante Ann Darrow. Já em “Godzilla” (Ishiro Honda, 1954), o titã funcionava como uma alegoria ao terror atômico vivenciado pelo Japão no fim da Segunda Guerra Mundial. Avancemos agora para 2021 e a intenção deste longa do diretor Adam Wingard é apenas colocar os bichos para brigar.

Quarto longa da ambiciosa empreitada Monsterverse da Legendary Pictures, que colocou esses famosos monstros em um mesmo universo cinematográfico, temos finalmente o embate dos dois alfas dessa franquia, algo que já vinha sendo preparado desde 2014. Quando Godzilla parece atacar aleatoriamente algumas cidades do mundo, uma equipe de cientistas vê em Kong e nas suas origens um meio de deter o lendário lagarto gigante. Enquanto isso, Madison (Millie Bobby Brown), salva por Godzilla no filme anterior da franquia, tenta descobrir o que enfureceu o Rei dos Monstros e está causando esses ataques.

O roteiro de Eric Pearson e Max Borenstein coloca Kong como o protagonista entre os dois personagens-título, e como o mais “simpático” dos dois kaijus. Tendo crescido um bom bocado desde “Kong – A Ilha da Caveira”, o gorilão se vê numa relação de proteção e cuidado com a pequena e carismática Jia (a estreante Kaylee Hottle), conquistando direto a simpatia dos cientistas que o acompanham (vividos por Rebecca Hall e Alexander Skarsgård) e, por consequência, do público. Ademais, Kong tem um arco próprio sobre finalmente ganhar o título de… King.

Enquanto isso, Godzilla é mostrado mais como uma fera desembestada durante boa parte da projeção. Até mesmo seus aliados humanos são bem menos interessantes que os de Kong, com a Madison de Millie Bobby Brown, centro desse núcleo, não tendo lá muito desenvolvimento. A relação dela com o pai, novamente vivido por Kyle Chandler, não sai muito do canto e, por mais que haja que haja alguma química entre ela e seus parceiros (Julian Dennison e Brian Tyree Henry), simplesmente todo o que envolve esses personagens é… entediante.

Some-se isso ao fato de que Adam Wingard não parece lá muito interessado em dirigir seus atores e temos que os personagens humanos são o Calcanhar de Aquiles do filme. Felizmente, esse é o longa do Monsterverse que menos liga para os frágeis humanos, chegando até mesmo ao ponto de um intérprete do calibre de Demián Bichir ser subutilizado em uma ponta glorificada e canastrona.

Os personagens humanos servem apenas como um meio para o fim – avançar a trama para que esta chegue rapidamente aos embates e só. Wingard compreendeu que o que importa realmente para o filme é colocar os monstros em batalhas visualmente arrebatadoras, com diversidade de cenários e situações, com os efeitos especiais brilhando e o som arrebatando o público, com a parte técnica dando o peso necessário a esse verdadeiro duelo de titãs.

Nesse sentido, o filme é extremamente sucedido. É difícil não se empolgar vendo Godzilla e Kong arrebentando um ao outro sob luzes de neon. E olha que um outro kaiju clássico ainda se junta ao combate eventualmente, para delírio dos aficionados – os fãs também vão se divertir encontrando alguns easter eggs durante o filme.

No final das contas então, este “Godzilla vs. Kong” coloca de lado quaisquer alegorias que os personagens traziam originalmente e entrega quase uma versão luta-livre desse combate, com toda a firula e diversão que o bom wrestling pede. Considerando os tempos estranhos e pesarosos em que vivemos hoje, talvez um pouco de diversão descompromissada seja reconfortante. Parafraseando Freud, às vezes um lagarto gigante brigando com um gorila gigante é apenas um lagarto gigante brigando com um gorila gigante.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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