Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Foguete (2020): compaixão que faz a coragem decolar

Curta-metragem brasiliense usa um brinquedo famoso da cidade para discorrer sobre temas como compaixão e coragem, resultando numa obra que conquista e inspira.

Em Brasília, há um parque chamado Ana Lídia, onde crianças brincam há décadas em um brinquedo que é um foguete de metal, acessível por pontes de madeira que levam ao topo e com plataformas para que se possa ir descendo até sair. É difícil encontrar uma pessoa nativa da cidade que nunca tenha deixado a imaginação se aventurar com aquele avatar de exploração espacial. Na Mostra de Tiradentes, o curta-metragem “Foguete” explora as sensações de fascínio e medo que cercam a atração.

O curta abre com um castelo de areia sendo pisoteado e pés juvenis descendo o foguete. Logo vemos um pai chegando com o filho ao parque e um grupo de crianças brincando de astronautas em uma missão espacial. Uma bola perdida leva o pai, Marcos (Marcelo Pelucio), a conhecer a menina Bia (Duda Luz). Quando ele indaga se ela já voou no foguete (ótima escolha de verbo), percebe-se que há uma conexão emocional entre homem e brinquedo.

Este é o ponto de partida para um belo conto sobre o fascínio que um simples passatempo pode exercer num indivíduo, ao mesmo tempo explorando o quão marcante ele é para diferentes gerações de brasilienses. Intercalada com a história de Marcos (num ótimo trabalho de Marcelo Pelucio, usando sutilezas para deixar que camadas de sua alma sejam reveladas), há a história do menino César (Rafael Machado), que não consegue vencer o medo e fica paralisado no topo do foguete.

A maneira como o filme mescla as duas tramas é magnífica. Os temas conversam entre si e os personagens, mesmo separados de alguma forma, trilham caminhos que se cruzam. Logo que a ficha cai e o espectador percebe esta conexão, é difícil não se emocionar. Tudo é arrematado num final metalinguístico certeiro, que se vai conquistar qualquer um, vai atingir em cheio os corações brasilienses.

É possível também destacar a jovem atriz Duda Luz, que traz tanta naturalidade que sua presença se torna magnética e cativante. Quando interage com Marcos, a conversa entre estranhos pode parecer que vai ser esquisita de se presenciar, mas flui tão organicamente que fica fácil comprar a relação recém-criada entre os dois.

Aliás, o elenco mirim todo é excelente. As crianças brincam e reagem umas às outras de forma genuína. Elas são auxiliadas por uma elegante direção que empresta dinamismo para os momentos certos, rendendo algumas das melhores cenas.

Escrito e dirigido por Pedro Henrique Chaves (que tinha apenas 17 anos na época das filmagens), a obra ainda discorre sobre sentimentos humanos que se encaixam em situações adversas pelas quais se passa durante a vida. Há um abraço catártico aqui, que escancara a força que o alento pode oferecer, sutilmente contrastado com a negatividade que rechaço pode gerar.

Encarar um medo é algo poderoso, e o cineasta consegue abordar o tema de maneira singela. Mesmo assim, permeia diferentes estágios do processo de envelhecer e amadurecer. Ao contar a história da relação de algumas pessoas com o brinquedo, “Foguete” discorre e homenageia coragem, compreensão, gentileza e compaixão.

Bruno Passos
@passosnerds

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