Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 15 de novembro de 2020

A Verdadeira História de Paris Hilton (YouTube Originals, 2020): propaganda ou denúncia?

Com uma vida regada a controvérsias e escândalos, a ícone dos anos 2000 Paris Hilton retorna para mostrar um lado que afirma ter escondido de todos por muitos anos. 

O mundo das mídias digitais é muito pautado pelo controle da autoimagem, sendo Paris Hilton o exemplo de um produto que nasceu a partir desse fenômeno nos anos 2000. A herdeira do império de hotéis Hilton se tornou símbolo de futilidade e de um estilo de vida ostentador e inalcançável, que gerou tendências que reverberam até hoje. “A Verdadeira História de Paris Hilton” documenta o outro lado dessa história.

Paris Hilton propõe mostrar com o documentário os bastidores de sua agitada vida em um nível íntimo nunca antes visto. Desconstruindo a imagem da “loura burra”, uma mulher mais madura reivindica sua imagem pessoal revelando que a “it girl” que conhecemos tratava-se de uma personagem. A empresária e DJ abre sua vida revelando traumas da adolescência enquanto acompanhamos a dualidade de uma rotina ultra expositiva e rodeada de pessoas, ao mesmo tempo que é solitária, carregada de desconfiança e pesadelos.

Embora o longa fomente discussões muito importantes e delicadas, principalmente no que tange o trauma que ela passou na adolescência, a narrativa falha em suas propostas. Um discurso exaustivamente repetido por toda a produção é o fato de que o público agora se depara com a vida da socialite como realmente é, livre da manipulação dos realities show que participou – principalmente o bem sucedido “Simple Life” que deu início à personagem Paris Hilton, a herdeira estúpida. No entanto, a linguagem cinematográfica escolhida é muito semelhante ao reality, resultando em uma sensação de pasteurização e encenação.

Outro ponto é que a obra é introduzida se entendendo como um filme-denúncia, contudo há um caminho longo a percorrer até que esta denúncia se concretize. É apenas no ato final que os holofotes caem sobre as vítimas e seus relatos de abuso sofridos dentro dos internatos. Durante todo o resto do documentário, seguimos a trajetória da menina rica que está usando sua fama para abrir caminhos e fazer sua fortuna através de seu nome – que virou uma marca. Assim, enquanto a acompanhamos escolher qual roupa caríssima vai decidir levar para a próxima viagem, se sustenta a todo momento a ideia de que as máscaras que ela decidiu usar são consequências de algum trauma que ninguém sabe, esvaziando e tornando cansativo um problema sério e pouco debatido.

Não se pode, porém, negar ou minimizar as diversas formas de violência sofridas por ela. É nítido que o machismo afeta mesmo mulheres que são dotadas de algum poder, neste caso o aquisitivo. A socialite aborda com superficialidade os abusos que sofreu em seus relacionamentos amorosos, no entanto mostra o quão asquerosas podem ser as dinâmicas da alta sociedade. Isto posto, é conveniente que Paris se empodere destas histórias neste momento, uma vez que o documentário é uma nítida propaganda de sua empresa. Por conta disso, o residual do filme são sentimentos contraditórios. Ao passo que a denúncia é importante, há uma sensação de enganação, ficando dúbio se este não foi apenas mais um movimento estratégico de venda por parte da empresária, mesmo que, desta vez, se utilizando de suas verdades.

Tayana Teister
@tayteister

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