Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 25 de setembro de 2020

#RapaduraRecomenda – O Pai da Noiva (1991): ótimo casamento entre drama e comédia

Longa vai muito além da comédia e é tocante na sua representação de dilemas da paternidade.

Steve Martin é um gênio da comédia. Ele também apostou em várias leves dramédias com o tema de relações familiares como pano de fundo, geralmente resultando em obras gostosas de serem assistidas, como este “O Pai da Noiva”, remake do original homônimo de 1950.

O filme abre com George Banks (Martin), cansado, de smoking, gravata borboleta desamarrada, sentado numa poltrona numa casa que acabou de passar por uma grande festa. Ele logo quebra a quarta parede e fala com o espectador, principalmente, com pais. É nesta conexão com qualquer um que entende o que é o amor por um filho, estabelecida logo de início, que o longa conquista.

Ele começa falando sobre os perrengues advindos das preparações para a cerimônia da filha e o quanto ela foi cara (algo nada fácil para um pão-duro teimoso como ele), mas logo abre seu coração para falar da sua pequena menina que foi crescendo, amadurecendo e se apaixonando, o que sempre foi fonte de enorme preocupação de que ela conhecesse caras ruins, mas que o medo desconhecido aparece quando ela conhece o cara certo, porque aí, nas palavras do próprio “você perde sua filha”.

As falas do protagonista se transformam na narração que percorre todo o tempo de duração do longa, e por meio dela recebemos não só informações expositivas, como a de que ele é dono de uma bem-sucedida empresa de tênis esportivos e que possui uma bela casa numa pequena cidade nos arredores de Los Angeles, mas também serve como uma janela para sua alma, onde ele expressa sentimentos como se fossem seus pensamentos. Tal técnica mesclada com as reações físicas do ator rendem os melhores momentos do filme.

Sua filha Annie (Kimberly Williams-Paisley, numa ótima estreia em frente às câmeras), acaba de voltar de um intercâmbio em Roma, parte de seu programa de mestrado em arquitetura. Ela choca a família com a notícia que conhece um rapaz – Bryan (George Newbern) – há poucos meses e decidiram se casar. O choque em George já mostra o tipo de humor pretendido, onde ele vê apenas uma criança no lugar de uma adulta e tem dificuldades para aceitar o casório.

Daí a trama se desenrola e George se mete em incríveis trapalhadas ao conhecer os pais de Bryan e perceber o quanto o casamento vai custar. O estresse de ter que lidar com tantas mudanças indesejadas é um presente para Steve Martin soltar seu carisma em tela, enquanto lida com o fato de que a filha vai se mudar.

O tom do filme é certeiro. A cidade onde moram é adorável e idílica, e apesar da atmosfera parecer idealizada demais para ser verdade, o texto dribla qualquer artificialidade ao conectar a plateia com o protagonista quando, por exemplo, ele fala da casa onde mora. É uma belíssima construção, mas quando se ouve ele discorrendo que ama o lugar porque foi onde ensinou os filhos a andar de bicicleta, acampou com eles no quintal e jogou basquete na entrada da garagem percebe-se que a casa importa não por ser grande e bonita, mas por ser fonte de tantas memórias importantes.

A esposa de George é Nina (Diane Keaton), que é a âncora para seus ataques de teimosia. Mais disposta a aceitar a mudança em suas vidas, ela não está à toa no filme, mas tem uma ótima função como coadjuvante que é a de desafiar o protagonista, sendo um elemento relevante no desenrolar da trama.

O humor recebe um bom impulso quando o organizador de casamentos Franck Eggelhoffer (Martin Short) e seu assistente Howard (BD Wong) entram em cena. Ambos exagerados e caricatos, mas de forma que funciona, caminhando bem na tênue linha entre o que convence e o que seria apenas estereótipos baratos.

Visualmente, o longa tem soluções narrativas simples, mas eficientes. A montagem de pai e filha jogando basquete ao som de My Girl empresta camadas à canção que pegam no coração, o término da cena com George jocosamente segurando o braço de Annie, mas não tendo êxito em pará-la é uma boa metáfora para o que está acontecendo. Há outro momento em que uma peça de roupa rasga, ilustrando o rompimento do resto de paciência do protagonista, e ver Martin explodindo de raiva dentro deste personagem resulta em uma das melhores cenas humorísticas do filme.

Pode não ser a coisa mais engraçada que Steve Martin já fez, mas ele encontra magia na simplicidade de interpretar um homem que precisa lidar com a “perda” da filha, de deixar de ser a figura masculina mais importante em sua vida. É um filme meigo sobre um momento agridoce na vida de qualquer um que já teve filhos. A alegria de vê-los amadurecendo e tocando suas próprias vidas é contrastada com essa sensação de inevitável saudade. O ator cativa de verdade ao mostrar este cara altamente indignado com a situação engolindo seu desconforto e aconselhar a filha a seguir seu caminho. A cena em que ele passa pelo corredor de sua casa e escuta os filhos dando boa noite um ao outro é de cortar o coração.

Aliás, mesmo feliz por sua filha, a dor que ele sente quando a ficha cai de que a filha precisa seguir em frente é real, mas é mais tocante ainda ver como ele a esconde, ilustrando como este longa dribla qualquer exagero em sua pieguice e resulta numa obra que transborda amor.

“O Pai da Noiva” é um filme que permite a Steve Martin fazer o que sempre fez de melhor: comédia com sentimento. É um longa carismático, carinhoso e que dá aquela sensação boa quando sobem os créditos, algo sempre bem-vindo em tempos de obscura realidade.

Bruno Passos
@passosnerds

Compartilhe