Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 16 de março de 2020

Elite (Netflix, 3ª Temporada): peso das consequências

Após duas temporadas medianas, o retorno de "Elite" oferece a narrativa mais sólida vista até então, voltando a fazer as jornadas dramáticas dos personagens serem mais importantes que o mistério.

Os estudantes de Las Encinas já vivenciaram dilemas típicos da idade e se envolveram em mistérios decorrentes de assassinatos e outros crimes. Dessa vez, a terceira temporada de “Elite” os coloca diante do peso que as consequências de seus atos têm sobre si mesmos e os demais ao seu redor. Além do drama vir da carga que se acumula nas costas dos personagens, ainda há uma sensação de encerramento proveniente tanto da conclusão dos estudos básicos quanto da proximidade da morte e da conclusão de seus arcos narrativos.

Em seus novos episódios, a série da Netflix tem início com os desdobramentos da liberação de Polo da prisão, por conta da insuficiência de provas para condená-lo pela morte de Marina. Apesar disso, seus colegas de escola sabem a verdade e se recusam a aceitar a presença do rapaz entre eles tranquilamente, exceto Cayetana e Valerio que se aproximam dele e formam um trio inusitado. Paralelamente, todos os jovens seguem suas vidas pensando em qual universidade estudarão no futuro próximo e enfrentando outras dificuldades próprias do amadurecimento. Enquanto o presente avança, passagens em flashforwards indicam que na festa de formatura Polo será assassinado, colocando Samuel, Guzmán, Ander, Omar, Carla, Lucrecia, Valerio, Cayetana, Nadia e Rebeca como suspeitos.

O primeiro capítulo rapidamente aponta que um dos fardos a serem carregados é o novo suspense por trás do “quem matou?”. Diferentemente da mesma abordagem usada sem tanto sucesso no caso de Marina, o vaivém no tempo entre os antecedentes do homicídio e a morte em si (com a investigação subsequente) cria um suspense eficiente: acompanhamos os comportamentos suspeitos se avolumarem, contradições e mudanças profundas atingirem cada indivíduo e novas dinâmicas surgirem para surpreender o público. Ademais, a escolha de dar aos títulos dos episódios o nome de cada personagem é uma estratégia útil para demonstrar quem está, naquele instante, fazendo a trama avançar e qual ponto de vista será trabalhado.

Porém, engana-se quem pensar que o mistério assume o tom primordial da narrativa como havia acontecido na segunda temporada. Resgatando o estilo da primeira, a ideia passa a ser, inicialmente, equilibrar suspense e conflitos dramáticos alternando entre núcleos onde essas perspectivas aparecem: a morte de Marina e as tentativas de incriminar Polo envolvem o próprio assassino, Cayetana, Samuel e Guzmán, enquanto os dramas cotidianos cercam Ander, Omar, Nadia, Lucrecia, Valerio e Rebeca. Com o passar do tempo, o mistério é colocado apenas pontualmente e, assim, as questões emocionais são tratadas como prioridade – inclusive, os esforços de levar o assassino de Marina para a prisão se reduzem consideravelmente e apenas atingem Samuel. Desse modo, subtramas relacionadas a doenças precoces, decisões sobre o futuro, uso exagerado das redes sociais, desigualdades de classe, venda de drogas, divergências familiares, amores concretizados ou não e influência nociva do dinheiro percorrem cada arco narrativo.

Mesmo que o peso dramático seja o principal, a maioria dos conflitos que funcionam está ligada de alguma maneira à morte de Marina e à liberdade de Polo. Isso porque os novos personagens inseridos levam a história para rumos insatisfatórios por não dialogarem com o mote central: o envolvimento de Malick com Nadia e de Yeray com Carla prejudicam o desenvolvimento das duas mulheres e não desperta tanta atenção também pelo pouco interesse que os recém-chegados causam no espectador. Entretanto, alguns velhos conhecidos do elenco igualmente sofrem com problemas narrativos, alguns mais sérios do que outros, como os clichês na relação entre Omar e Ander são mais questionáveis do que as interações adiadas entre Guzmán e Nadia e Lucrecia e Valerio.

Por outro lado, outros personagens revelam com maior clareza os impactos de escolhas erradas, tragédias mal resolvidas e ressentimentos ainda abertos em suas evoluções. Valerio e Rebeca eram coadjuvantes de pouco propósito na produção, que assumiram agora importância considerável e apresentaram um percurso dramático interessante: ele mantém o humor irresponsável de uma criança crescida, mas amadurece, em parte, para deixar a superficialidade de um bon vivant que só se preocupava com festas, drogas e uma vida sem compromissos; já ela se encontra muito mais nos embates com a mãe traficante (algo que inclui a luta para não seguir os erros de sua família) do que no relacionamento com Samuel, também em função da fragilidade de performance do ator com quem tanto contracena. Outras três figuras possuem caminhos inesperadamente positivos que demonstram a possibilidade de o roteiro ser original, por exemplo o controle da fúria de Guzmán para perceber que sua sede de justiça o consumia como uma vingança atormentadora; a autonomia conquistada por Nadia em buscar sua felicidade enfrentando a tentação de mentiras e o tradicionalismo familiar; e a maturidade desenvolvida por Lucrecia para se tornar uma pessoa mais solidária, independente e menos competitiva (apesar de preservar sua ironia confrontadora).

Em termos técnicos, existe também um peso de mudanças que os criadores Darío Madrona e Carlos Montero conseguem lidar melhor do que nos outros anos. Além de uma utilização mais feliz da montagem não linear, a estética novelesca está contida devido a cenas esteticamente mais bem feitas: as aberturas de episódios que, por exemplo, mostram a força das redes sociais entre os jovens, as atitudes condenáveis de Valerio para sobreviver financeiramente e os paralelos entre as jornadas de Rebeca e Carla. Em compensação, quando o último episódio chega e os acontecimento da festa de formatura são encenados, há diversas falhas entre o que havia sido mostrado anteriormente e a cadeia de acontecimentos desenrolada sem interrupções, além de conveniências de roteiro logo após a morte de Polo.

Ainda que sejam perceptíveis os problemas de diferentes naturezas, a terceira temporada de “Elite” é mais bem resolvida entre todas as lançadas. O equilíbrio entre suspense e drama era desafiador, contudo guiar os personagens através da questão do peso das consequências de seus atos e de outras pessoas sobre suas vidas e futuros se revela uma perspectiva produtiva. Contando com ela, alguns evoluem significativamente, o público sente o cansaço que eles vivem em razão das mortes e perdas continuarem a criar conflitos e infelicidades e os próprios jovens percebem como se uniram de maneira inesperada. Um fechamento de ciclo muito honesto para uma série que cresceu com o tempo e ainda promete novas temporadas pela frente.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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