Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 15 de março de 2020

Partida Fria (Netflix, 2019): ambiguidade da guerra

Thriller polonês cria uma boa ambientação durante a Crise dos Mísseis entre EUA e URSS. Apesar de ficcional, a trama sabe usar a metáfora do xadrez em favor da espionagem.

Nenhum outro período histórico foi tão usado para produções cinematográficas de espionagem quanto a Guerra Fria. Afinal, foram anos de disputas estratégicas e conflitos indiretos entre Estados Unidos e União Soviética, por isso é o pano de fundo ideal para tramas de suspense. Poucos anos abrem margem para tantas interpretações quanto 1962, momento em que “Partida Fria é ambientado – mesmo que a mídia explorasse cada ato, muitas informações de ambas as potências corriam em segredo. Estrelado por Bill Pullman, o filme acompanha a missão de uma delegação norte-americana com agentes infiltrados em uma competição de xadrez na Polônia contra o campeão russo.

A peça principal da viagem é o atormentado e bêbado Joshua Mansky (Bill Pullman). Considerado um gênio da matemática, o ex-professor de Princeton sofre com o passado e não consegue se livrar do vício. Então ele é levado a força e, mesmo contrariado, aceita competir porque seu antecessor e principal jogador dos Estados Unidos morreu misteriosamente pouco antes. Ele sabe que está sendo usado no conflito, mas não lhe resta outra opção a não ser enfrentar o soviético. Então ele e sua equipe ficam hospedados sob pressão em Varsóvia, precisando passar por cinco partidas em dias diferentes para chegar no grande vencedor.  

Enquanto os russos usam meios sujos para tentar distrair o protagonista e fazê-lo perder a competição, o esporte acaba encobrindo os planos para extrair dados de um informante infiltrado entre os soviéticos. O contexto também serve de base para os agentes investigarem se os inimigos realmente tem ogivas nucleares sendo posicionadas em Cuba. Com isso, Mansky passa a perceber que seus compatriotas igualmente estão jogando sujo e que ele é só uma distração nesse jogo de informações. Afinal, não somente o resultado da disputa de xadrez está em xeque, mas também o controle mundial. 

Dentro dessa perspectiva, o jogo de gato e rato funciona muito bem. Embora a partida em si não seja explorada, cada resultado aumenta a tensão para ambos os lados. O general Krutov, interpretado pelo excelente Aleksey Serebryakov, está disposto a usar todos os métodos de dissuasão para pressionar Mansky e encontrar o espião infiltrado. Além da desvantagem em território inimigo, o vício do enxadrista se agrava por conta das ameaças. Nesse aspecto, o longa explora bem a bebida como válvula de escape para a mente acelerada do homem. Contudo, a insistente expressão de bêbado do ator se torna repetitiva ao longo da história, ainda que ele divide a cena com com bons atores como Corey Johnson, James Bloor e Lotte Verbeek. Por esse motivo, as relações soam mal exploradas.

Já os figurinos e locações são dignos de grandes produções de época. O filme ganha um charme especial com inserções reais de imagens de momentos chaves da Guerra Fria, ajudando a resumir o que se passa entre os dois países e deixa a competição ainda mais verossímil. Em termos de execução, Partida Fria não fica atrás de “O Dono do Jogo”, de Edward Zwick, outra grande obra com a mesma abordagem. Por se tratar de uma premissa ficcional, a narrativa poderia ter explorado melhor a jornada de Mansky ao contrário de só retratá-lo como um ex-prodígio do xadrez. Aliás, o passado do personagem mal é abordado para justificar sua desilusão. A retratação também acaba pecando por não ser em sua língua original. Em contrapartida, a metáfora do esporte no centro do conflito traz urgência e ritmo. Junte a isso um gênio à beira de um colapso nervoso diante de um oponente impiedoso e o resulto é uma produção cruel como o conflito. E memorável. 

Jefferson José
@JeffersonJose_M

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