Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 14 de janeiro de 2020

Casamento Sangrento (2019): comédia e gore na medida certa

Terror consegue ser bem sucedido ao balancear de forma certeira seu tom de comédia e violência, com ótimas atuações e roteiro afiado.

2019 foi um ano em que grandes filmes utilizaram sátira e drama para construir uma crítica ao modo de vida daqueles que pertencem às classes mais altas. Se juntando a “Parasita”, “As Golpistas” e “Entre Facas e Segredos”, é a partir de um questionamento bem montado sobre uma família muito rica e poderosa que surge “Casamento Sangrento”. Terror repleto de humor ácido, o filme conta a história de Grace (Samara Weaving). Na noite de seu matrimônio, como tradição, ela precisa jogar um jogo escolhido aleatoriamente pelos parentes de seu noivo, os Le Domas, magnatas do ramo de jogos de tabuleiro. Quando é sorteada a única carta que poderia lhe trazer má sorte, a noite toma um rumo sombrio e a recém-casada precisa lutar pela própria sobrevivência.

O roteiro de Guy Busick e R. Christopher Murphy é o que dá à obra muito mais profundidade do que a maioria dos outros exemplares do gênero. É comum personagens de filmes de terror não receberem um bom desenvolvimento por existirem apenas para render um momento de gore com sua morte, fazendo com que os roteiristas não coloquem tanta energia na sua criação. Aqui é diferente: como Grace é a única que está, de fato, na mira central dos vilões, o texto faz um ótimo trabalho em construí-la. Ela é complexa e bem desenvolvida, com motivações além da própria sobrevivência que fazem o espectador torcer por ela com mais afinco. Criando, assim, a sensação de que a personagem realmente existe e continuará a existir após o final da produção, provavelmente um dos maiores elogios que uma história pode receber.

Até então estrelando papéis secundários, Samara Weaving tem a chance de brilhar como protagonista. Assim, o show é todo seu: sua Grace é engraçada, forte, determinada e sua atuação traz à vida todas as nuances presentes no roteiro. Até seu relacionamento com a sogra, mesmo não tendo muito tempo de tela, possui camadas que conectam as duas personagens. Todos os atores entregam performances excelentes que se encaixam perfeitamente no arquétipo que estão representando, tornando as interações entre os vilões interessantes e engraçadas. Com destaque para o Daniel de Adam Brody, que interpreta o único membro da família que parece não se importar tanto com a tradição macabra – além disso, o desenvolvimento de seu passado dá um peso maior para suas ações, sendo quem mais se destaca do núcleo dos Le Domas.

A forma que o filme dirigido por Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett balanceia a comédia e o terror é outro grande trunfo: ao invés de tentar inserir Grace nos momentos cômicos, a narrativa deixa somente o público ter essa perspectiva. Para a protagonista, tudo que está acontecendo continua sendo aterrorizante. Em nenhum momento ela “entra na brincadeira”, fazendo assim com que o cômico não fique forçado e seja bastante realista. Porém, o desespero também pode ser cômico e os diretores não tiveram medo de abraçar isso, o que rende algumas cenas que também agregam um humor ácido. A produção, então, foge da imagem da “final girl” virginal e boazinha, deixando a audiência se deleitar com uma protagonista que não hesita na hora de fazer o necessário para sobreviver.

Os diálogos expositivos, que precisam existir para avançar uma narrativa como essa, acontecem em passagens construídas de forma natural e fazem total sentido dentro da trama. Até os poucos jump scares presentes servem para criar situações realmente assustadoras. Nada é construído apenas para um susto ou momento de gore sem base narrativa por trás.

O filme desenvolve seus aspectos de forma tão envolvente que a duração de noventa minutos passa voando. A cada ocasião onde as ameaças vão escalando, ele mantém a audiência vidrada na tela e pronta para abraçar cada nova revelação e reviravolta. Mesmo não ganhando muita atenção na época de seu lançamento no Brasil, “Casamento Sangrento” se prova como uma obra quase obrigatório para os fãs do gênero.

Lívia Almeida
@livvvalmeida

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