Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 08 de janeiro de 2020

Limites (2018): seguro e inofensivo

Decidido a não correr riscos, "Limites" é uma produção que se esforça tanto para agradar e não tocar em feridas familiares sérias que acaba por ser uma experiência incômoda de tão superficial.

Limites” é o tipo de filme previsível e acomodado que não se desvia nem um pouco das convenções e expectativas da sua história, muito menos vai fundo na proposta. Trata-se de um road movie em que uma família disfuncional embarca em uma jornada de enfrentamento dos conflitos e de transformação emocional. Porém, o subgênero e seu estilo não se concretizam efetivamente dentro de uma narrativa que enfraquece o drama por conta do humor e da artificialidade.

O centro de tudo é Laura (Vera Farmiga), uma mulher que busca uma vida tranquila e atos solidários para ajudar outras pessoas. Esses desejos e características pessoais entram em embate com a necessidade de levar o pai Jack (Christopher Plummer) em uma viagem de carro do Texas para a Califórnia. Junto ao filho Henry, que também está presente no trajeto, pai e filha precisarão aprender da maneira mais conturbada possível a se entender, lidar com as amarguras do passado e compreender o significado de família.

Antes que a viagem transformadora tenha início – junto com os problemas da obra -, a apresentação e a caracterização da protagonista é feita de modo cativante devido ao humanismo e à naturalidade na abordagem de Laura: é uma mulher facilmente encontrada fora da sala de cinema, assim como as dificuldades de sua vida, que se desdobra entre criar o filho incomum, sobreviver com pouco dinheiro, cuidar dos vários animais que recolhe das ruas e resistir às memórias dolorosas do pai ausente na infância que a telefona regularmente. A conversa com a terapeuta e a vivência de seu dia a dia comum traduzem a desorientação da personagem tão dividida entre muitas questões e obrigações – característica ressaltada pela atuação eficiente de Vera Farmiga em transmitir tamanho cansaço.

Sucesso semelhante ocorre na caracterização de Henry e Jack, os dois principais personagens masculinos do elenco vividos também com grande simplicidade e naturalidade por Lewis MacDougall e Christopher Plummer, respectivamente. O garoto se ressente de ter sido abandonado pelo pai e tem estranhos hábitos, como fotografar bichos mortos e desenhar pessoas nuas, o que o faz ser alguém singular e com dificuldades de interação social. Já o idoso não corresponde em nada ao estereótipo de um senhor de oitenta e cinco anos, uma vez que consome drogas, se envolve em atividades ilegais, faz piada com pedofilia e age sem sutilezas com as emoções da filha.

Aliás, o trajeto acaba englobando os negócios ilícitos de Jack. O que, então, parecia ser simplesmente uma viagem de integração familiar e reavaliação pessoal, se torna uma comédia de situações e uma discussão sobre família. Entretanto, o roteiro de Shana Feste (“Amor Sem Fim”) é superficial em tudo que tenta, desde a previsibilidade na cômica relação entre avô e neto e nos pontos de virada da trama (a descoberta das atividades do pai por Laura e o embate entre eles) até o desenvolvimento daquelas figuras. Henry não possui arco dramático já que mantém a mesma sensibilidade incomum do início; Jack atravessa a narrativa sem grandes alterações ou revisões sobre si até vir um único e redentor momento contemplativo em que repensa quem foi e como deveria passar a viver; e Laura evolui dramaticamente ao enfrentar sua vida particular e profissional, muito mais pelo desempenho da atriz – Vera Farmiga alterna entre o desnorteamento inicial do cotidiano atribulado para o caos emocional das suas lutas internas – do que pelo script responsável por poucas ocasiões realmente transformadoras – o encontro com o ex-marido funciona, ao contrário das cenas da estrada e do assalto.

Além disso, esse percurso sentimental igualmente falha em razão da veia humorística dada a cada passagem mais importante da história. Existe um desequilíbrio entre o drama familiar sobre ausência e a opção de não entrar fundo em conflitos, dores e lacunas íntimas dos personagens e preferir a condescendência diante de gestos e demonstrações de defeitos e fraquezas. O descompasso na abordagem influencia na construção de sequências supostamente engraçadas, como a citada sobre um assalto, e de um tom sempre seguro que corre pouquíssimos riscos e deixa o espectador com uma sensação prazerosa ao final. Quem também sai prejudicado é o estilo visual da diretora, por vezes expressivo na evocação da dimensão emocional da protagonista (o enquadramento fixo em Laura durante a terapia e o plano aberto e separador entre pai e filha em quartos de hotel, por exemplo), mas por outras apenas voltado para a comédia inofensiva.

Mesmo contendo fragilidades sérias, o filme passa de uma situação a outra diferente da anterior com uma dinâmica que garante um ritmo predominantemente envolvente e nada cansativo. Em compensação, esse fato só se sustenta assim enquanto dura o road movie, pois quando os personagens se fixam em cenários específicos, “Limites” não sabe como se encerrar. Sintoma desse desconhecimento é a série de closes finais em cada personagem sorrindo, que revela novamente como a produção opta pelo caminho mais fácil para parecer uma experiência agradável.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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